São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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Ética e política

da Redação

Antonio Candido não é exatamente um político: a militância (no PSB e PT) sempre foi uma atividade lateral em sua vida: "Sou um intelectual que assume posições políticas, o que é outra coisa". Em que consiste a diferença?
"Cada um com suas armas. A nossa é essa: esclarecer o pensamento e pôr ordem nas idéias", já dizia em 1943. Talvez por isso tenha direcionado sua atividade partidária para a publicação de jornais, revistas e manifestos.
Ser um intelectual certamente ajuda nessas tarefas, mas dificulta a ação política: "Quem passa a vida mexendo com literatura, vendo as análises sutis do comportamento, pesando os prós e os contras, tem certa dificuldade em aceitar ou rejeitar em bloco, como é preciso fazer na hora da ação. Talvez não seja bom militante porque respeito demais as opiniões dos outros".
E por que participar? "Não tenho vocação política. Para mim, a participação foi sempre um dever moral, despertado pelo sentimento de justiça e a convicção de que o socialismo é a melhor fórmula para organizar a sociedade."
Essa vocação ética distingue Candido de outros teóricos, para os quais a política possui uma moralidade "sui generis", na qual tudo é permitido. O que conta é manter o poder, pouco importando os meios usados: assim como o dinheiro, os votos não têm cheiro.
Antonio Candido não pensa assim. O mesmo imperativo que leva o intelectual ao engajamento impõe limites às possibilidades de ação. Daí a recusa a qualquer acordo com a extrema direita, como ocorreu em 1950 -quando se recusou a apoiar Eduardo Gomes (UDN), que se aliara aos integralistas de Plínio Salgado.
Suas convicções antifascistas começaram a se delinear desde a infância, em Poços de Caldas (MG), onde os integralistas tinham um núcleo particularmente forte. A melhor amiga de sua mãe era uma anarquista italiana, Teresina Rocchi, que o ensinou a cantar a "Internacional" e "Bandera Rossa". Graças a alguns colegas de ginásio, entrou em contato com as idéias anarquistas e trotskistas.
Em 1936, migrou para São Paulo e, no ano seguinte, ingressou na Universidade de São Paulo. Conheceu então Paulo Emilio Salles Gomes, Arnaldo Pedroso d'Horta, Febus Gikovate, críticos do PCB: "Amadureci politicamente ao lado de pessoas como estas, que tinham sido stalinistas e haviam adquirido horror ao stalinismo".
Em 1941, Candido e Paulo Emilio fundaram a revista "Clima", inicialmente apolítica. Mas, em abril de 1943, publicaram um manifesto dizendo que havia acabado a isenção: "Para nós, moços intelectuais, e logo soldados, que assinamos esta Declaração, a guerra entre o Brasil, de um lado, e a Alemanha e a Itália, do outro, é inseparável da guerra que se processa em escala internacional e ideológica contra o fascismo".
Por influência de Paulo Emilio, Candido definiu sua posição política, passando a defender um socialismo democrático, numa época em que o stalinismo e o trotskismo polarizavam a esquerda.
Ainda em 1942, criaram o Grupo Radical de Ação Popular, integrado ainda por Germinal Feijó, Paulo Zingg e Antônio Costa Correia: "O que nos unia era a luta contra a ditadura. Tivemos bastante atuação de 43 ao começo de 45, inclusive editando um jornalzinho clandestino chamado "Resistência'". Com a democratização do país, em 1945, seu grupo fundou a União Democrática Socialista.
"A UDS foi talvez o grupo político mais interessante de que participei. Era meio bagunçada, não tinha sede, mas tinha uma grande flama e as idéias fermentavam nas reuniões... Mas nossa capacidade de mobilização era pequena. Por isso, quando se fundou no Rio a Esquerda Democrática, em agosto de 1945, resolvemos aderir e logo depois nos dissolvemos."
Dedicou algum tempo à publicação de um jornal denominado "Política Operária", distribuído entre os gráficos, mas em 1946 passou a se dedicar mais à Esquerda Democrática, sendo eleito para a Executiva da ED paulista. Em agosto de 1947, a ED mudou o nome para Partido Socialista Brasileiro (PSB). No ano seguinte, Candido tornou-se editor do jornal partidário "Folha Socialista".
Chegou a se candidatar a deputado estadual, obtendo pouco mais de 500 votos. "Nesse período trabalhei muito, inclusive nas eleições, como chefe da propaganda de rua. Assim fui indo até 1952, quando me afastei da militância, mas continuei no partido."
Entre 1964 e 1966, lecionou literatura na França. Na volta, passou a apoiar o MDB, rejeitando a tese do voto nulo: "O MDB me parecia ser a boa fórmula que permitia a união bem ampla das oposições".
Mas só voltou a participar de forma mais efetiva após uma visita aos EUA, em 1968: "Fui professor visitante na Universidade de Yale, e isso influiu na minha disposição de voltar à atividade política, porque pude ver o empenho com que os colegas americanos e estrangeiros radicados lá participavam de causas como a luta contra a Guerra do Vietnã ou a luta pelos direitos dos negros. De volta ao Brasil, encontrei a faculdade em polvorosa e fui eleito para a Comissão Paritária". Participou da defesa da faculdade de filosofia, que acabou sendo incendiada pela direita.
Nos anos 70, colaborou na revista "Argumento", que teve uma edição apreendida pelo governo. Em 1977, assinou o "Manifesto dos Intelectuais", que pedia o fim da censura, e concedeu uma famosa entrevista à revista "IstoÉ", defendendo o socialismo.
Em 1979, participou da fundação do PT -e dele não mais saiu. Fez campanha para Lula em 1994 e até hoje permanece um socialista convicto. A realidade está em constante transformação: o que existe hoje não subsistirá amanhã. Daí a importância de não se deixar levar pelas pressões do partido da "onda": "No momento a moda é ser contra Cuba e todos dizem que a revolução vai desmoronar. Pode ser. O que não acaba desmoronando? O essencial é operar a transformação e deixar sementes no irreversível. A Revolução Francesa durou no máximo dez anos, se tanto, mas o que trouxe ficou".
(MAURICIO PULS)



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