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NACIONAL POR ADIÇÃO
ONDA DE PATRIOTISMO PATROCINADA PELO GOVERNO DIVIDE OS INTELECTUAIS BRASILEIROS, COMO
JOSÉ MURILO DE CARVALHO, MANUELA CARNEIRO DA CUNHA, FRANCISCO DE OLIVEIRA E RENATO MEZAN
Caio Liudvik
free-lance para a Folha
Eu não chegaria a chamar de nacionalismo, essa palavra é mais forte, envolveria todo um programa
político. Mas vejo no governo atualmente um uso
de instrumentos simbólicos de manipulação popular. Estão usando recursos típicos de governos autoritários, embora num contexto não autoritário. Querem mobilizar a população, fazê-la sentir-se bem é importante para torná-la menos crítica. É uma maneira de amenizar, de
fazer, por exemplo, as pessoas esquecerem os efeitos da
política econômica vigente." Assim o historiador José Murilo de Carvalho reage às recentes investidas "patrióticas"
estimuladas ou concretizadas pelo governo Lula.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
foi um dos intelectuais a quem o Mais! indagou: à luz da
recente difusão de slogans como "o melhor do Brasil é o
brasileiro" (Câmara Cascudo) e da ênfase dada pelo governo aos festejos do último 7 de Setembro, estamos presenciando um "revival" do velho ideário nacionalista, isto
é, da exaltação ufanista das virtudes do país?
Carvalho chega a usar a imagem clássica do "ópio do povo" para pensar o investimento do governo na elevação da
"auto-estima nacional". Para o atual ocupante da cadeira
nš 5 da Academia Brasileira de Letras, "nos EUA, a comemoração da Independência é espontânea, a população celebra, o governo não precisa fazer nada. No Brasil, o governo utiliza isso como forma de compensação".
Orgulho coletivo
Os símbolos, mesmo que venham
de cima para baixo, talvez não só mintam ou omitam, mas
sim, por outro lado, ajudem na (re)valorização de uma
identidade nacional. É essa segunda alternativa que dá o
tom à reflexão da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da Universidade de Chicago (EUA). Ela
diz que "uma dose moderada de nacionalismo é positiva,
embora em excesso seja péssimo". Ela diz concordar com
a meta do governo de resgatar o orgulho coletivo e defende que é válido para a auto-imagem das pessoas a identificação com exemplos edificantes -como as "voltas por cima" do jogador Ronaldo, da seleção brasileira de futebol,
e do cantor Herbert Vianna, histórias exploradas em campanha da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes),
com apoio direto do governo.
Carneiro da Cunha completa que, nessa atual onda patriótica, o que está em foco "não é o ser brasileiro, mas sim
a população brasileira como valor primeiro, como aquilo
em que mais temos que investir". A antropóloga ressalta,
porém, que outras práticas do governo -como a ênfase
no "agrobusiness"- não mostram essa mesma prioridade: "É preciso haver coerência para colocar o capital humano em primeiro lugar".
Já o cientista político Luiz Werneck Vianna, do Iuperj
(Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro), também nota incoerências entre o ideário nacionalista clássico e, por exemplo, o tratamento que se dá à
questão da dívida externa -"uma caixa-preta do Ministério da Fazenda que ninguém abre". Acrescenta que a
"tradição do PT não é de ser especialista na questão nacional, mas sim na questão social".
O professor emérito da Universidade Federal de Minas
Gerais Fábio Wanderley Reis diz que é óbvio que um governo busque uma imagem favorável junto da população,
inclusive pelo apelo ao ânimo patriótico. Mas vê risco de
que se caia em "idealizações bobocas" que escondam a herança negativa, como a escravidão. "É preciso encarar
com realismo essa herança" e enfrentar sem oba-oba a
imensa "ruindade social" do Brasil, expressão que retoma
de Darcy Ribeiro. "Não é problema de auto-estima, os
brasileiros têm a percepção real de que há ameaças no
convívio com os outros, de que há corrupção etc.".
Às histórias de abnegação e superação, a atual investida
patriótica junta uma música cantada por Raul Seixas
("Tente Outra Vez") e o lema "eu sou brasileiro e não desisto nunca" -como consta no site da ABA. Tanta corrente para a frente não cativa o professor de sociologia da
USP Francisco de Oliveira, que ataca: "Eu acho que é sintoma do novo populismo. É sintoma também da decomposição dos partidos políticos e da classe trabalhadora,
antiga base social do PT. Um governo populista tenta dispensar a mediação dos partidos e da sociedade organizada, dirigindo-se diretamente às massas. Mas o antigo populismo era uma forma de inclusão das novas classes urbanas, em especial do proletariado. O novo populismo é
uma técnica de exclusão: o governo passa por cima das organizações políticas -por exemplo, do funcionalismo
público (reforma da Previdência) e do movimento operário (as reformas trabalhista e sindical que estão em marcha)". O sociólogo diz que tendências análogas acontecem,
embora com conteúdo mais progressista, na Argentina e
na Venezuela de Chávez, que manipula o culto popular à
figura de Bolívar.
Efeito benéfico
A historiadora Angela de Castro Gomes (Fundação Getúlio Vargas) vê hoje "um momento de
busca de uma direção política e cultural de desenvolvimento", que se reflete nas preocupações nacionalistas do
governo e no "surpreendente" destaque dado pela mídia
aos 50 anos da morte de Vargas, comemorados no mês
passado. E uma campanha patriótica como a atual, diz, pode ter um efeito benéfico. "Não só a população mas a intelectualidade tendem a pensar o Brasil em negativo, sentem
as dificuldades de ser brasileiro. Mas sua eficácia vai depender de políticas públicas concretas."
O historiador João Cezar de Castro Rocha, da UFRJ, ressalta que "posições nacionalistas muito rapidamente se
transformam em bravatas patrioteiras, cuja finalidade é a
manutenção do status quo. Os grupos que chegam ao poder são bem brasileiros porque não desistem nunca de tornar o nacionalismo um melancólico instrumento de propaganda. É muito cedo para avaliar se a atual onda publicitária do governo Lula se enquadra nessa definição".
Crítico, o historiador Marco Antonio Villa (Universidade Federal de São Carlos) dispara: "Esse nacionalismo é
postiço, pois não combina com a política econômica do
governo, ao contrário de um governo como o de Vargas.
Verdadeiro nacionalismo seria, por exemplo, renegociar a
dívida externa, lutar por descontos dessa dívida, que é impagável, ou alongar o pagamento. Também seria verdadeiro nacionalismo tentar renegociar a dívida interna, que sufoca, tanto quanto a externa, o desenvolvimento do país".
Para Villa, é justamente para o PT que se dirige essa guinada "verde-amarela" do governo. "Eles estão falando para o público interno do partido, tentam dar alguma satisfação à velha militância de esquerda, desiludida pela política
econômica". O historiador acrescenta que o último desfile
de 7 de Setembro, em Brasília, é um retrato do que essa
"operação" tem de artificial e de "pífio": "Foi uma confusão só, tinha balé, depois vinha o Vanderlei Cordeiro de Lima [maratonista que, depois de atrapalhado pelo ex-padre
irlandês Cornelius Horan, recebeu medalha de bronze na
Olimpíada de Atenas], depois um tanque... Um caos que é
sintomático. Não se falou nem uma vez sequer de d. Pedro
nem tocaram o Hino da Independência". Villa arremata:
"O governo Lula tem um pecado original, um mal de origem, que é desprezar a herança getulista. O PT nasceu antigetulista e permanece antigetulista, por isso tem dificuldade em criar seu próprio nacionalismo, pois no Brasil nacionalismo é sinônimo de getulismo".
O psicanalista Renato Mezan, de seu ângulo específico de
observação, nota efeitos positivos num tipo de orgulho de
si que não precise denegrir o outro. "O problema de um
país colonizado como o Brasil é que não recebeu amor nenhum de seus "pais". E todo país tem que inventar sua própria mitologia. A França criou a sua, vide por exemplo os
desenhos de Asterix. A França também foi colonizada, a
proporção de gauleses na França atual é mínima, se comparada com a dos invasores romanos e germânicos que lá
se instalaram. Mas a colonização da França foi em mil anos
anterior ao Brasil. Países como o nosso, colonizados mais
recentemente e na rabeira do mundo, precisam de injeções
periódicas de auto-estima."
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