|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O ANTIPODER DAS MASSAS
O CIENTISTA POLÍTICO JOHN HOLLOWAY DEFENDE QUE A ESQUERDA PRECISA ABANDONAR CONCEITOS
TRADICIONAIS, COMO NACIONALISMO, E CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA À SUJEIÇÃO DO ESTADO AO CAPITAL
Claudia Antunes
da Sucursal do Rio
O cientista político irlandês John Holloway, ex-professor da Universidade de Edimburgo, ligou-se teoricamente ao movimento zapatista ao mudar-se no início dos anos 90 para o México, onde
dá aulas na Universidade Autônoma de Puebla. Seu livro
"Mudar o Mundo sem Tomar o Poder" (ed. Boitempo), de
2002, é um manifesto contra a institucionalização das lutas
sociais e fez sucesso entre ativistas antiglobalização.
No debate aberto entre militantes e pensadores da esquerda pelo livro "Império" [Record], de Michael Hardt e
Antonio Negri, que saúda a suposta superação dos Estados nacionais, Holloway, 57, se alinha entre os defensores
de que se deixe de lado, por inútil, a meta de conquista do
Estado. Ele advoga a formação de um "antipoder" desvinculado do capitalismo e independente de suas crises.
Não se trata de aproveitar "brechas" do sistema, alega,
mas de recusar sua lógica e de construir uma alternativa
no dia-a-dia, uma busca que seria representada por movimentos como o zapatismo, os piqueteiros argentinos e os
sem-terra do Brasil. Em entrevista ao Mais!, Holloway defende que o nacionalismo não tem mais nenhum papel
positivo a desempenhar e aponta o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva como demonstração disso: "Não tenho dúvida de que Lula poderia ter adotado políticas mais radicais,
mas ele não poderia ter alcançado muito".
O sr. afirma que o neoliberalismo reforçou a característica
repressiva dos Estados. O Estado ainda tem algum papel positivo a desempenhar em países como Brasil e México?
Talvez possamos relacionar essa questão ao caso particular do Brasil. Para milhões, não apenas no Brasil mas
em todo mundo, Lula representava uma grande esperança: finalmente havia um governo que tomaria posição contra o neoliberalismo. Lula era a grande esperança dos reformistas radicais do mundo todo. Onde está
essa esperança agora? Está claro que ela foi absolutamente estilhaçada. Uma questão importante para o
Brasil e para o mundo é: como interpretar esse desapontamento? É um fracasso pessoal de Lula e do PT?
Ou ilustra uma verdade mais profunda, a de que é impossível para os Estados tomarem posição contra o
neoliberalismo? Se tomarmos a primeira interpretação,
concluímos que, da próxima vez, devemos eleger um líder mais forte ou formar um partido novo e mais puro.
Se tomarmos a segunda interpretação, concluímos
que o Estado não é e não pode ser uma forma adequada
de organizar a luta contra o neoliberalismo e devemos
olhar para outras formas de ação. Minha visão pessoal é
a segunda. Não tenho dúvida de que Lula poderia ter
adotado políticas mais radicais, mas ele não poderia ter
alcançado muito. O Estado, como forma de organização, está tão fortemente integrado nas relações sociais
do capitalismo que é impossível que tome outra forma
que não a de executor de interesses do capital.
Em nenhuma hipótese, na sua opinião, o nacionalismo pode
ser uma força positiva?
Não, mas depende de como se entende o nacionalismo.
Normalmente ele está ligado a um Estado: a idéia de
que os Estados brasileiro, argentino ou mexicano poderiam levar adiante políticas diferentes é uma ilusão,
mas é mais do que isso. A própria existência do Estado
divide os brasileiros dos argentinos, os paraguaios dos
bolivianos, os franceses dos alemães, e no último século
nada provocou mais mortes do que isso. O nacionalismo, por mais progressista que reivindique ser, acentua
essas divisões, quando devemos lutar para abolir as
fronteiras. Pode-se argumentar que também há um nacionalismo anti-Estado, uma luta por autodeterminação. Mas isso não me convence: se a luta é por autodeterminação, não existe razão para tomar o Estado como referência.
Como o senhor situa o caso da China?
O nacionalismo não é realmente nacional. Ele pode ser
melhor visto como uma estratégia particular que pode
ser adotada no jogo internacional da competição. Para
que tenha alguma chance de sucesso, em termos capitalistas, precisa ser acompanhado pela repressão da
dissidência interna. O caso da China tem que ser visto
nesse contexto. O capitalismo se tornou mais competitivo e agressivo nos últimos 20 anos. A maioria dos países teve mau desempenho nessa situação, mas alguns
tiveram bom desempenho em termos de crescimento
econômico. Para isso, ajuda ter uma força de trabalho
disciplinada.
A competição internacional leva os governos a tentarem estabelecer maior disciplina e a erradicar protestos, a moldar todas as condições da vida para atrair capital. As políticas nacionalistas não vão ajudar a salvar a
humanidade da autodestruição: a única esperança é
criar uma nova maneira de fazer as coisas. Essa esperança seria completamente irrealista se não estivesse
tão enraizada nas lutas cotidianas.
Mas, ao contrário do que se podia esperar após os primeiros
protestos antiglobalização, não chegaram a ocorrer mudanças nas políticas das instituições internacionais e dos
governos em geral. Qual a perspectiva para os movimentos
que reivindicam "um outro mundo possível"?
Não considero surpreendente que não tenha havido
nenhuma mudança importante nas políticas das instituições internacionais, mas isso não significa que o movimento "altermundialista" esteja fracassando. Essa
falta de resposta é mais um reflexo da distância cada vez
maior entre os Estados e as instituições políticas e a sociedade. Eles se tornaram instituições muito mais fechadas, menos reativas a pressões sociais.
Isso se tornou mais óbvio após o 11 de Setembro, mas
suas raízes se encontram na intensificação da competição em anos recentes. É melhor reconhecer esse distanciamento como uma oportunidade de virar as costas ao
Estado o máximo que pudermos e desenvolver uma
política alternativa. É disso que trata boa parte do movimento "altermundialista".
Os críticos desse tipo de raciocínio afirmam que ele é metafísico, que se baseia em uma visão equivocada da realidade,
na qual o que se observa é o aumento da influência de Estados ou de associações de Estados.
Milhões de outras pessoas já chegaram à conclusão de
que tentar conquistar o poder estatal não é um caminho para mudar o mundo e nos envolve num tipo de
política que é alienadora e burocrática. A única opção
que resta é encontrar outros caminhos. Isso significa
desafiar conceitos tradicionais da esquerda sobre a realidade da política e mostrar que o realismo é na verdade
totalmente irrealista. Nosso conceito atual do que é a
realidade é parte do mundo que queremos mudar: para
mudar o mundo temos que mudar nosso conceito de
realidade. Isso não é metafísica, mas crítica ou dialética.
Em "Império", Hardt e Negri apontam os imigrantes como
uma espécie de "vanguarda" dos novos cidadãos globais.
Alguém pode estar na vanguarda de uma nova ordem sem
ter consciência disso?
Não descreveria os imigrantes como vanguarda, mas
acho que há algum sentido nessa idéia. Acredito que a
experiência da migração freqüentemente torna a idéia
de nacionalismo sem sentido. Claro que não estou negando que a experiência da migração é horrível para a
maioria das pessoas e que em muitos casos ela não leva
à superação do nacionalismo.
Texto Anterior: O Estado Novo da cultura Próximo Texto: A sagrada aliança Índice
|