São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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+ 3 questões Sobre cenografia

1. O que faz de um determinado local um "cenário"?
2. Qual é o papel da cenografia em um espetáculo ou exposição?
3. Quais são as tendências atuais nesse campo?


Regina Boni responde

1.
O cenário é o resultado de vários elementos que criam um clima e uma determinada conjuntura dentro de um espaço de tempo no qual possa se manifestar e ocorrer um fato, uma ação dramática, uma tragédia.
É basicamente a criação de uma situação ou a reconstituição de uma outra com características próprias que atinja o objetivo de tirar o espectador do seu para outro determinado ambiente, envolvendo-o e atuando em todos os sentidos. Um cenário não é, formalmente, estética, mas só se explica pela função.

2.
Para o teatro, cinema, literatura, televisão, dança e ópera, o papel da cenografia é o já referido acima. Em uma exposição sua função é de suporte, organização e introdução: outro grau de sutilezas, que só são eficientes quando não competem com a obra.

3.
O maior ganho da cenografia contemporânea foi a apropriação de outras linguagens para o espaço cênico, como no caso do Gerald Thomas, Daniela Thomas e Bia Lessa, que se apropriam de recursos circenses e da mágica, por exemplo, para com pouquíssimos elementos construir espaços cênicos de genial dramaticidade.
Acredito que daí surgirão muitos caminhos para a cenografia, o que não quer dizer que eu aposente como idéia propostas realistas como a utilização de elementos cênicos ou de época para conduzir a um determinado clima, como no recente trabalho de Marcelo Laurino para o filme de Walter Salles "Abril Despedaçado", de belíssimo resultado.
Acredito muito, também, nas novas tendências propostas pela genial cenografia dos comerciais de televisão, inclusive os cenários virtuais. Os comerciais, com suas fantásticas verbas, concentram talentos insaciáveis. É como um gigantesco laboratório mundial de soluções cenográficas.

Gabriel Villela
responde

1.
Todo local pode ser considerado como um monólito de mármore Carrara. Diante dos olhos do escultor, sua possibilidade de transformação e de assumir formas desejáveis é infinita. Portanto todo local pode transformar-se em um "cenário", ser poeticamente apropriado, dependendo da decisão temática e das opções estéticas e criativas do cenógrafo.
É isso que permite a utilização cênica de espaços "inóspitos" ou não-convencionais no teatro, como igrejas, hospitais, presídios -caso da trilogia "Paraíso Perdido" (92), "O Livro de Jó" (95) e "Apocalipse 1,11" (99), montagens do grupo Teatro da Vertigem -, porões (em nossa peça "Concílio do Amor", de 1989) ou os pátios e ruas dos autos sacramentais do Século de Ouro espanhol.

2.
É, desde os tempos da Grécia Antiga, ambientar e redimensionar o homem na sua escala macrocósmica e microcósmica. Ela dá "materialidade" ao espaço social, psicológico e imaginário em que se desenvolve a trama. Em "O Rei da Vela" , por exemplo, a iniciativa de espalhar pelo palco mais de 15 mil cédulas e outras tantas "mãos" e "bocas", visou a traduzir um espírito debochado e alegórico e o conceito de usura, conforme explorados pelo diretor e pelos atores. Em termos práticos, o cenário define o trânsito das personagens, suas entradas e saídas do palco, completando o que poderíamos chamar de "coreografia cênica".

3.
As tendências são múltiplas, acompanham a diversidade estética dos diretores e artistas atuais. Mas posso destacar a intenção, usual entre diretores como Daniela Thomas, Enrique Diaz e, sobretudo, José Celso Martinez Corrêa (que considero um "arquiteto cênico" dos melhores), de dissolver as fronteiras entre o real e o imaginário, o que passa pela ruptura dos limites da "quarta parede" e dos palcos italiano e elisabetano. Noto também que o cenógrafo cada vez mais trabalha próximo do diretor e dos atores criando obras afinadas com a gramática cênica desejada.

Quem são

Regina Boni
É proprietária e marchand da galeria São Paulo, especializada em pinturas, esculturas e objetos de arte contemporânea.

Gabriel Villela
É diretor artístico do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), onde monta, atualmente, a peça "Ópera do Malandro", de Chico Buarque. Foi coreógrafo da peça "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade (direção de Enrique Diaz).



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