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Texto também estava inédito em inglês
JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em agosto de 1764, desembarcava no porto de Salvador a primeira mulher estrangeira a registrar e
tornar públicas as suas impressões sobre uma cidade brasileira colonial: a inglesa Jemina Kindersley.
Depois da "senhora Kindersley", como ficaria conhecida, tivemos de aguardar quase cinco décadas
para receber uma outra dama estrangeira que se habilitasse a colocar no papel as suas impressões sobre
a "exótica vida nos trópicos".
Em 1809, exatamente no momento em que começava a engrossar o contingente de estrangeiros na
colônia recém promovida a sede da monarquia portuguesa, recebemos a sucessora da senhora Kindersley e a primeira dama a deixar registrada a sua
passagem pela cidade do Rio de Janeiro: a senhora
Elizabeth Henrietta Macquarie (1778-1835).
A senhora Macquarie dirigia-se para a Nova Gales
do Sul (Austrália), onde seu marido, o coronel Lachlan Macquarie (1761-1824), assumiria o posto de
governador -cargo que ocupou entre 1810 e 1822.
Elizabeth era a segunda mulher do coronel Macquarie e, dizem os seus biógrafos, ainda que nunca tivesse gozado de grande estima do marido, era uma
mulher culta, corajosa e perspicaz.
As impressões de viagem que nos deixou constam
num diário manuscrito, depositado na Biblioteca
Mitchell, em Sidney, intitulado "Viagem da Inglaterra para a Austrália (1809)", no qual a senhora
Macquarie narra a sua jornada de Santa Helena, na
Inglaterra, a Port Jackson, na Nova Gales. A narrativa, inédita mesmo em inglês até há pouco, foi criteriosamente transcrita e democraticamente franqueada na internet pela Universidade Macquarie e
pela Biblioteca Estadual de Nova Gales do Sul
(www.lib.mq.edu.au/all/journeys/menu.html) como parte de um ambicioso projeto de divulgação de
documentos intitulado "Jornadas no Tempo (1809-1822)".
O fragmento relativo à curta estada da senhora
Macquarie na sede da monarquia lusitana (de 6 a
23/08/1809) -fragmento inédito em português-
não tem, convém salientar, a riqueza de detalhes de
relatos posteriores, como os deixados por Rose de
Saulces de Freycinet (1817), Maria Graham (1821-1823) ou, mais tarde, por Ina Von Binzer (1887),
mulheres que passaram mais tempo em terras brasileiras, numa época em que o país estava há muito
aberto à visita e à imigração de estrangeiros. Malgrado a brevidade e a menor riqueza de detalhes, o
relato da senhora Macquarie nos oferece excelentes
descrições da natureza local, alguns casos pitorescos
ocorridos com os visitantes e, sobretudo, uma perspectiva bastante rica da enorme presença inglesa na
corte d'El Rei d. João 6º. Para mais, a senhora Macquarie, em se tratando de relatos de mulheres e do
Rio, é uma pioneira, o que por si só justifica a leitura
de suas breves, mas curiosas, descrições.
Jean Marcel Carvalho França é professor de história na Universidade Estadual Paulista (Franca-SP). É autor de "Literatura e
Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional/
Casa da Moeda).
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