São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Livros de Devoção, Atos de Censura" analisa a produção e leitura de livros religiosos no Brasil nos séculos 18 e 19 Os best-sellers da colônia
JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA
O terceiro e último ensaio da primeira parte é dedicado à análise de um gênero muito bem acolhido na época: as "biografias" e "autobiografias" produzidas por internas, por religiosas e por confessores, obras que davam a conhecer ou o próprio "caminho salvífico" de quem escrevia ou o caminho de uma outra servidora de Deus conhecida do "autor". Nestes dois últimos ensaios, nota-se, por vezes, um esforço da pesquisadora em apontar, no rol de leituras de Jacinta ou nas tais "biografias", por exemplo, a "ação de um sujeito" -a marca de uma "personalidade"-, bem como encontrar nessa documentação um caminho de acesso a um suposto cotidiano das religiosas. Para bem e para mal, porém, o que a própria historiadora acaba por apresentar e constatar são padrões de leitura muito rígidos e restritos de obras marcadas, de ponta a ponta, por tópicas e lugares-comuns. Censores sensíveis A segunda parte do livro, "Censura e Livros Religiosos na Corte do Rio de Janeiro", abarca quatro capítulos, três dos quais notadamente dedicados a mapear o processo de circulação de livros no Rio de Janeiro dos tempos de d. João 6º. Algranti começa por descrever a estruturação da censura dos tempos joaninos, uma censura muito presente do ponto de vista burocrático, mas carente de critérios, de regras, de organização e, sobretudo, de eficiência. Em seguida, mapeia o mundo dos livreiros da corte, dando especial atenção à comercialização de livros religiosos -gênero em decadência num Rio de Janeiro, que rapidamente deixava para trás os ares de cidade colonial. Por fim, a pesquisadora procura dar a conhecer o perfil dos censores, homens -não todos, é certo- bem informados, prestigiados socialmente e que outrora, quando alijados do poder, liam e defendiam, destaca a historiadora, muitas das idéias contidas nos livros que então censuravam. Haveria, é certo, muito mais a comentar desses ensaios que se propõem a percorrer um domínio, senão selvagem, ao menos com muito a ser explorado pelos historiadores brasileiros. Em linhas gerais, porém, eis o que o leitor encontrará em "Livros de Devoção". Resta apenas destacar que quem aprecia discutir opções teóricas subjacentes às análises históricas também terá com que se ocupar neste livro, pois a pesquisadora é assaltada por uma série de questões que, a bem da verdade, batem à porta, ou deveriam bater, de todos os historiadores contemporâneos, questões do gênero: lidamos com sistemas, do tipo "sistema colonial", ou estamos o tempo todo descrevendo um jogo que se auto-organiza, nos moldes propostos, por exemplo, por Foucault? Que espaço os padrões, as tópicas e os lugares-comuns deixam para o que se entende por "ator social", "sujeito da ação", "personalidade"? Ou que relações estabelecer entre o "discurso" e a "prática"? Jean Marcel Carvalho França é professor de história na Universidade Estadual Paulista (Franca-SP). É autor de "Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional/ Casa da Moeda). Livros de Devoção, Atos de Censura 301 págs., R$ 40,00 de Leila Mezan Algranti. Ed. Hucitec (r. João Moura, 433, CEP 05412-001, São Paulo, SP, tel. 0/xx/ 11/3060-9273). Texto Anterior: + livros: Vidas às avessas Próximo Texto: + livros: Fábulas libertadoras Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |