São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Simplificações e estereótipos

da Redação

Já desde seu primeiro livro, "Afogado" (ed. Record), de 1996, o dominicano radicado nos EUA Junot Diaz é considerado pela crítica o principal escritor hispânico do país. "Afogado" acompanha ao longo de várias narrativas a vida de um garoto dominicano cuja família emigra para os EUA. (MARCOS FLAMÍNIO PERES)

Pode-se ver "Afogado" como uma "pequena odisséia", um panorama da condição hispânica nos EUA?
Fico contente por você ter escolhido a palavra "odisséia". Poucos críticos percebem que a história é em certo modo um recontar do mito de Odisseu, só que da perspectiva do filho, Telêmaco, que espera pelo pai. O livro está interessado em um grupo específico de imigrantes dominicanos pobres e mulatos que vive na Nova Jersey central e também estuda a experiência da diáspora, os custos emocional, familiar e espiritual que concernem a esses deslocamentos de imigrantes.
O spanglish é uma expressão legítima da comunidade hispânica nos EUA?
Não sou linguista, mas parece que é comum e natural que duas línguas que estão em contato tão próximo se influenciem. Mas eu duvido que algum dia haja um verdadeiro idioma spanglish.
O sr. acredita que a questão da mestiçagem seja apenas uma construção ideológica?
Latinos, assim como afro-americanos, ainda sofrem a mais ultrajante discriminação nos EUA. Somos discriminados no trabalho, nos negam oportunidades em termos de habitação e tratamento médico adequado, somos discriminados por bancos e brutalizados pela polícia.
Agora, do outro lado da moeda, latinos, como os afro-americanos, também têm uma das mais surpreendentes histórias de resistência organizacional contra essas formas de supremacia branca; organizações latinas têm combatido a marginalização, criminalização e discriminação desde antes de o termo "latino" ser inventado.
Essa na verdade é a comunidade latina à qual pertenço e sobre a qual escrevi. Quando a imprensa "mainstream" fala de latinização, ela não tem interesse nenhum em realidades complexas; em vez disso, ela busca reduzir a comunidade latina a estereótipos ridículos e aos elementos musicais que são os mais facilmente acomodados.
Os latinos escolhidos pela mídia para representar a comunidade são, na verdade, escolhidos por representar melhor essas simplificações. Ricky Martin é um cara ótimo e Jennifer Lopez é bacana também, mas da forma como estão sendo representados atualmente eles são tão latinos quanto uma intervenção militar norte-americana. Uma verdadeira latinização dos EUA ocorrerá quando nossas lutas, nossas preocupações, nossas questões, nossas realidades se tornarem as lutas, preocupações, questão e realidade da própria nação.


Texto Anterior: Fronteira do capital
Próximo Texto: Notícias de uma guerra civil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.