São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001 |
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+ livros Clássico de Arthur Ramos sobre sincretismo religioso na sociedade brasileira ganha reedição O inconsciente negro brasileiro
Gilberto Felisberto Vasconcellos
Nas ciências humanas já virou
lugar-comum -quase beirando o chavão- que os autores
clássicos aparecidos durante a
década de 30 são Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., esquecendo-se por um lapso esquisito de
incluir nesse rol de notáveis o alagoano
Arthur Ramos (1903-1949), morto precocemente aos 46 anos, que escreveu em
1934 um livro iluminado sobre o negro
brasileiro, sendo pioneiro na abordagem
psicanalítica da cultura popular, antecipando em muitos aspectos a escola de
Frankfurt, o freudo-marxismo, o lacanismo, a midiologia etc.
Curiosamente o médico legista e clínico colocava em primeiro plano o regime de exploração social do trabalho escravo. O francês Roger Bastide percebeu a diferença de enfoque entre os dois nordestinos vizinhos. Dir-se-ia que Arthur Ramos é o macho, enquanto Gilberto Freyre é a fêmea na sociologia do negro. Aluno do polígrafo Afrânio Peixoto, foi um dos primeiros escritores a cotejar o negro na América do Norte e na América do Sul, estabelecendo a diferença entre a "color line" norte-americana e a simbiose afro-tropical, lidando com a música em meio às contradições sociais, dando ênfase ao "jazzblueplantations" como expressão reativa ao desprezo social. Coisa rara entre os sociólogos, cuja maioria é insensível ao ruído, Arthur Ramos tinha ouvido privilegiado, tal qual Theodor Adorno. O Nietzsche alagoano, auscultando o fetichismo jeje-nagô, fazia a crítica musical de bantos e sudaneses, o que seguramente deu água na boca do crítico modernista paulista Mário de Andrade, pesquisador de feitiçarias e sonoridade popular. A religião -seja macumba, candomblé, catimbó- é a chave para entender a psicologia do povo, ou seja, a estrutura emocional da nova vida coletiva formada de ex-escravos negros e índios. Arthur Ramos pesquisou os morros cariocas e conversou com o educador Anísio Teixeira, o tio-avô dos futuros Cieps (Centro Integrado de Educação Pública) de Darcy Ribeiro. É digno de reparo que Arthur Ramos se autodefinia um educador higienista -acrescente-se: que leu muito bem Marx e Freud, conectando o ser negro à história do trabalho, os vários tipos de negro vindos da África que se tornaram brasileiros com as "interfluições de ordem psicossociológica". Essa análise do desejo na formação social brasileira, com toda a sua impregnação narcísica, impressiona pelo uso da psicanálise na explicação também do sadomasoquismo de origem colonial. O "constrangimento psíquico", trazido pela escravidão dos negros, é o fator determinante em seu destino e motivo do "complexo de inferioridade coletivo". Ele refuta o sociólogo Oliveira Vianna acerca do dualismo montado em cima do "make up ciclóide" do negro e a "esquizoidia" do índio. Grande parte da obra de Luís da Câmara Cascudo é um diálogo mantido com Arthur Ramos sobre a substituição do conceito de sincretismo por xifopagia no entendimento da mistura religiosa. Para Arthur Ramos, o inconsciente encantado e supersticioso precisava se soltar das amarras pré-lógicas. Ele considerava a superstição um atraso, mas não sinônimo de inferioridade cultural. Da África à América. O riso do povo norte-americano é contribuição do negro. A influência do negro ainda é mais forte na América do Sul, onde entrou em "contato biológico" por meio de um processo de aculturação sincrética e religiosa. Arthur Ramos, que se fez antropólogo por autodidatismo, mergulhou fundo na análise do inconsciente negro brasileiro. Morreu em Paris. O Negro Brasileiro 340 págs., R$ 44,00 de Arthur Ramos. Ed. Graphia (r. da Quitanda, 194, CEP 20091-000, RJ, tel. 0/xx/21/ 263-8762). Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor, entre outros, de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo). Texto Anterior: Alcir Pécora: Excrescência e lugar-comum Próximo Texto: Milton Ohata: Promessas descumpridas Índice |
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