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PONTO DE FUGA
O corpo do artista
JORGE COLI
especial para a Folha em Nova York
É possível conceber duas categorias de pintores: os mentais e
os corporais. Na primeira, entram aqueles que atribuem
uma precisão implacável ao
desenho nítido, à pincelada estudada. Tomam um tempo
lento, refletido, e a retificação
pensada do traço faz parte do
processo criador. Van Eyck,
Poussin, Ingres, Mondrian trabalhavam assim. Na segunda,
o gesto nasce de impulsos internos e sua trajetória é comandada por um frêmito corporal. O braço alarga-se, a mão
agitada corre na frente da
consciência e qualquer correção posterior é sentida como
uma fraqueza. Os primeiros
têm a pretensão de tudo controlar pelo pensamento; os segundos confiam nas intuições
do corpo, próprias a conduzir
e revelar coisas que a mente
não concebe. Tintoretto, Turner, Matisse incluem-se neste
modo, que Pollock levou ao
apogeu. Sua atual retrospectiva, no MoMA (Museu de Arte
Moderna), revela, desde os desenhos iniciais, o contorno largo que pulsa. Não há hesitação,
porque o essencial já está ali e
rapidamente atingirá sua plenitude. Pollock, lançando tinta
sobre a tela no chão, conta com
a inércia física, singular e autônoma, que prolonga o gesto
criando tramas organizadas
em ritmos. Prefere os formatos
retangulares, em frisa, onde o
percurso do olhar determina-se pela sequência das manchas e pelas pulsações cromáticas. As pinturas de Pollock são
irmãs legítimas da música e da
dança.
LUXO - Concerto histórico
da The Julliard School, homenageando os 90 anos de Elliot
Carter, que estava presente para ouvir o seu "Double Concerto", estreado em 1961. Obra
crispada, ela é um dos marcos
da música daquela época. Mas
a novidade foi "Sur Incises",
de Pierre Boulez (1996), apresentada pela primeira vez nos
EUA. Havia algo já suntuoso
na própria disposição dos instrumentos: no fundo a percussão xilofones, gongos, sinos;
na frente, três pianos alternados com três harpas, expondo
suas formas elegantes e os lustros dos vernizes. A arquitetura
precisa da música era disfarçada pelas ressonâncias que fundiam-se e envolviam tudo: pedais incessantes, vibrações metálicas, numa evidente preocupação com a materialidade sonora. Nada do Boulez austero
dos tempos do serialismo. Ritmos frenéticos, cascada de arpejos, um clima inesperado,
podendo evocar Liszt. Verdadeiro prazer sensual, rico, pouco abstrato, arrebatando o público. Sons que estariam à vontade entre os veludos, espelhos
e dourados dos grandes teatros
de ópera, esses mesmo que, em
1968, Pierre Boulez dizia ser
necessário destruir com bombas.
CÉU - Pollock insere-se no
mito do artista atormentado,
levado por morte precoce, brutal e dramática, do qual Basquiat seria um avatar recente.
A arte de Pollock, no entanto,
pouco traz de torturado ou
agressivo. Sua vibração poderosa combina força e leveza.
Ele talvez tenha sido um dos
poucos grandes pintores de
nosso século a produzir obras
que, sem perder a energia, definem-se pela beleza. Não expressivas, nem inquietantes,
nem espirituais, nem irônicas.
Obras belas -francamente,
plenamente, belas.
BISTURI - "Gods and
Monsters", filme de Bill Condon produzido por Clive Barker, reinventa os últimos dias
de James Whale, diretor inglês
muito requintado que criou,
em Hollywood, o monstro de
Frankenstein. Numa época
mais repressiva do que hoje,
Whale declarava-se "gay".
Em 1957, descobriram-no afogado na piscina de sua casa.
"Gods and Monsters" lembra
o admirável "Love and Death
on Long Island", de Kwietniowsky, dois filmes fascinantes que, esperemos, cheguem
ao Brasil.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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