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+ brasil 501 d.C.
Artigos do ensaísta e diplomata serão publicados uma vez por mês no Mais!
Rouanet passa a escrever na Folha
Maurício Santana Dias
da Redação
A partir de hoje, o embaixador Sergio
Paulo Rouanet, um dos mais importantes intelectuais do país, passa a escrever mensalmente na seção "Brasil 501
d.C." (leia artigo na pág. ao lado).
Depois de ter passado os últimos anos
em Praga (capital da República Tcheca),
Rouanet volta ao país com a intenção de
se aposentar do Itamaraty para dedicar-se exclusivamente às atividades intelectuais. "É o que mais gosto de fazer", disse
à Folha o autor de "As Razões do Iluminismo" e "Mal-Estar na Modernidade"
(Cia. das Letras). A princípio, lecionará
na pós-graduação da Universidade de
Brasília, como professor visitante.
Ex-ministro da Cultura (governo Collor), Rouanet afirma que não pretende
voltar à política. "Foi um episódio passageiro." No momento, ele está concluindo
um livro de ensaios baseado nas preferências literárias de Freud, cujo título
provisório é "Os Dez Amigos de Freud".
O sr. transita por várias áreas: filosofia,
ciência política, teoria literária, psicanálise. Nos artigos que o sr. passa a publicar
no Mais!, pretende concentrar suas análise em algum campo ou tema específicos?
De fato, sempre oscilei entre essas
áreas e pretendo dar continuidade à
minha linha de análise, que eu definiria transdisciplinar. O denominador
comum seria, talvez, a "história das
idéias", sempre procurando articulá-la com algum assunto contemporâneo. Enfim, procurarei tratar dos temas que mais me interessam e que,
presumo, possam interessar ao leitor.
Neste primeiro artigo publicado pelo
Mais!, o sr. retorna ao conceito de "democracia cosmopolita"...
Em linhas gerais, essa é uma discussão presente na ciência política atual
-sobretudo entre ingleses, americanos, italianos e franceses. Ela põe em
xeque a idéia de Estado mundial, uma
idéia já velha, e propõe a noção de
uma democracia mundial. Numa sociedade globalizada -gostando-se
do termo ou não-, as fronteiras estão sendo relativizadas e isso pode vir
a complementar as democracias nacionais no sentido de uma democracia universal. A noção de democracia
cosmopolita não implica absolutamente o desaparecimento das soberanias nacionais, mas sim a possibilidade de criar instituições internacionais
que possam dar um conteúdo mais
concreto às democracias nacionais.
Ao mesmo tempo, tem-se observado uma
volta do irracionalismo -o neonazismo
na Áustria, a "exuberância irracional" da
economia. Como se explicaria isso?
Acho difícil fechar uma posição, não
creio que se possa falar de uma ressurgência desses velhos fantasmas.
Está havendo, sim, uma coexistência
dessas duas tendências: uma universalizante, e outra, particularizante.
Esse particularismo -que inclui racismo, nacionalismo etc.- seria, segundo alguns cientistas políticos, um
fenômeno da própria globalização, de
forças centrípetas dentro de uma tendência mais universalizante.
O sr. sugere em seu artigo que a Internet
pode ser um meio eficaz para a consolidação da "democracia cosmopolita".
Tentei ser cuidadoso no artigo para
evitar o oba-oba do messianismo tecnológico. Na verdade, a Internet pode
ser uma grande dor de cabeça também: desde a guerrilha eletrônica dos
hackers até a propaganda neonazista.
Mas isso aconteceu também com a
imprensa, e no entanto ela foi o principal veículo do Iluminismo. Acho
que a Internet desempenhará um papel importante, mas é preciso não
exagerar. De qualquer modo, creio
que ela ao menos amplia o número de
pessoas que podem interferir nos
processos deliberativos do mundo
contemporâneo.
E como o sr. avalia os movimentos de contestação organizados sobretudo via Internet -como os protestos contra a OMC em
Seattle, em dezembro de 99?
Vejo positivamente. É a possibilidade
de maior mobilização de grupos que
fazem parte da sociedade civil. Como
o movimento de libertação mexicano
Chiapas, por exemplo, que tem uma
homepage: você pode acessá-la e conversar com o subcomandante Marcos, saber o que ele pensa. Tudo isso é
um mundo novo, apaixonante. Outra
coisa interessante, que está ganhando
corpo e que acho muito positiva, é o
conceito de jurisdição universal.
Acho excelente que, hoje, as pessoas
não possam mais cometer crimes
contra a humanidade e depois se entrincheirar e proteger no conceito de
soberania nacional.
O sr. está de volta o Brasil depois de ter sido embaixador na Republica Tcheca.
Quais são seus projetos para agora? Tem
algum livro em vista?
Devo entregar agora à Companhia
das Letras um novo livro. O tema é
psicanálise. Tomo como ponto de
partida uma carta enviada por um
editor de Viena as várias personalidades -políticos, pintores, músicos,
cientistas e, entre eles, Freud. Nessa
carta, o editor pedia que cada um elaborasse uma lista de dez bons livros.
Meu trabalho é sobre os dez livros indicados por Freud, com um ensaio
sobre cada um. A idéia é tentar entender por que ele escolheu esses livros e
se há uma relação dialógica entre eles.
Não são obras-primas, o próprio
Freud disse que sua escolha não se baseou nos melhores livros (uma seleção que incluiria Sófocles, Dante, Shakespeare), mas em bons livros -como bons amigos. Daí o título provisório que escolhi: "Os Dez Amigos de
Freud". Alguns desse amigos são
Mark Twain, Kipling, Anatole France,
Zola. É um ensaio de recorte psicanalítico dentro da teoria literária.
O sr. pretende voltar à política?
Não, não, isso foi um episódio interessante, mas passageiro. Foi uma experiência dolorosa, mas tenho a impressão de que foi útil também, que
consegui deixar uma lei (a Lei Rouanet) que está ajudando a sustentar a
cultura. Estou antecipando minha
aposentadoria para poder me dedicar, finalmente, à minha vocação intelectual.
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