São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000 |
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+ livros O escritor Philip Roth fala sobre seu novo romance, "The Human Stain", no qual um professor é obrigado a recriar sua identidade para tentar escapar do policiamento do "politicamente correto" nos EUA dos anos 90 O alter cérebro
Charles McGrath
Considerado um dos mais importante escritores
americanos vivos, Philip Roth acaba de lançar
uma nova obra, "The Human Stain" (A Mancha
Humana). O romance gira em torno da obsessão pelo "politicamente correto" que assolou os EUA
nos anos 90, tendo como pano de fundo o caso Clinton/Lewinsky.
Voltando à temática de "The Human Stain", os acontecimentos de 1998 são comentados, com certeza, mas o que mais chama a atenção é que esse livro é sobre um negro que se faz passar por branco e judeu. Poderíamos dizer que é um livro que trata de raça, judaísmo e a intersecção das duas coisas? Não de raça e judaísmo. Não existe nada sobre judaísmo no livro. Bem, ele escolhe assumir uma identidade judaica. Como meio de se passar por outra pessoa, como disfarce social, como pretexto para sua aparência. A opção de Coleman não tem nada a ver com os aspectos éticos, espirituais, teológicos ou históricos do judaísmo. Não tem nada a ver com querer pertencer a outro "nós". É uma escolha astuta que consegue lhe proporcionar um disfarce na fuga de seu próprio "nós". A escolha é estritamente utilitária -como o são tantas outras coisas, no caso deste homem. De onde veio a idéia? Ela tem suas origens em Chicago, onde fiz faculdade em meados dos anos 50 e aonde voltei para viver por alguns anos depois do Exército. Chicago me proporcionou minha primeira visão do grande mundo. Foi a primeira vez que realmente senti, vi, registrei a presença negra numa cidade americana, a primeira vez em que me comprometi pessoalmente, mesmo que de maneira mínima, com os negros. Quando eu era criança e adolescente em Newark, nos anos 30 e 40, todos nós -irlandeses, italianos, eslavos, negros, judeus- vivíamos acomodados e seguros em bairros distintos. Praticamente não havia sobreposição social, e a população negra era, de fato, relativamente pequena naquela época. Foi só por volta de 1950, na época em que parti para a universidade, que Newark começou a se tornar a cidade predominantemente negra que é hoje. Mas a Chicago na qual aterrissei era algo totalmente diferente. E, quando eu era estudante na Universidade de Chicago, conheci uma garota de outra faculdade da cidade com quem tive um pequeno namoro universitário e que era negra -ademais, negra originária de uma família de profissionais liberais. Acho que até aquele momento eu não havia me dado conta da existência de uma classe média negra de qualquer dimensão, e a família da garota representou uma novidade total para mim -como, aliás, eu certamente representei para ela. Em todo caso, começamos a sair juntos e conheci a família dela, que era de negros de pele muito clara, especialmente na parte materna da família. E nunca me esqueci de ter ouvido sua mãe contar que havia parentes seus que se tinham perdido para todo seu povo. Foi a frase que ela usou -"se perdido para sua gente". Mais tarde a garota me explicou do que sua mãe estivera falando -que esses parentes, que eram capazes fisicamente de fazê-lo, tinham deixado de identificar-se como negros, mudado para longe e ingressado no mundo branco para nunca mais voltar. E aquilo foi algo de que nunca me esqueci, embora nunca tivesse imaginado que nessa história encontraria um tema sobre o qual escrever. Porém tanto a história quanto as pessoas me deixaram uma impressão duradoura. Autotransformação. Auto-invenção. O destino alternativo. Repudiar o passado. Coisas poderosas. O que a trilogia diz sobre nós? Se é uma espécie de relatório sobre os EUA, como estamos nos saindo? Essa é uma pergunta que merece ser feita, mas não a mim. Estamos falando em mais de mil páginas de ficção. Apenas queria que essas "débâcles" históricas penetrassem os personagens e os atravessassem -apenas queria descobrir como isso seria. Queria, sobretudo, descobrir como precisaria ser um romance para que não fosse uma ficha de relatório sobre a América, mas uma obra de ficção sobre ela. Qual será seu próximo trabalho? Quero me desligar desse clima grandioso. Quero limpar minha cabeça de toda essa seriedade. O senhor está escrevendo um romance cômico? (rindo) Não, quero outra voz para o presente. Nos próximos seis meses, um ano, eu gostaria de olhar as coisas sob outro prisma. Estou tentando me libertar da visão sombria da vida americana que é própria de Zuckerman. Houve uma época em sua vida em que o senhor gastava certa dose de energia escrevendo sobre outros escritores. Será que agora é hora de algo análogo a isso? Não. Entre 1974 e 1989 editei a série "The Other Europe" para a Penguin. Eu lia todos esses romances europeus orientais traduzidos, encontrava escritores do Leste europeu, alguns por lá, outros no exílio, e tudo aquilo era novidade para mim. Naquela época eu morava em Londres sete meses por ano; assim, sem muito trabalho, viajava com frequência a Paris, Praga ou Jerusalém. Quando retornei da Inglaterra em definitivo, em 1989, foi minha redescoberta da América como escritor. Retornei, na verdade, porque estava me sentindo fora de contato. Não que não soubesse o que se passava aqui, pela leitura dos jornais, mas o que me faltava era o contato cotidiano imediato com o que as pessoas estavam pensando e dizendo -ou seja, estava deixando de captar tudo que acontecia ao longo do caminho. Se eu estivesse vivendo em qualquer outro lugar em 1998, por exemplo, jamais poderia ter escrito "The Human Stain". Desde longe eu não teria podido reagir de maneira tão visceral quanto fiz ao ambiente moral de 1998, que teve muito a ver com a maneira como imaginei a história de como Coleman Silk se acaba. Quando olho para trás, hoje, vejo que "O Teatro de Sabbath" é o verdadeiro retorno às coisas americanas. A voz de Mickey Sabbath é totalmente americana. E a trilogia americana veio depois dele, não de dentro dele. Vejo pelo que estou escrevendo agora mesmo que, mesmo que tente, não consigo evitar que nossa história comum penetre, sorrateira, na temática de minha obra. É resultado de envelhecer, imagino. Não se tem perspectiva histórica por muito tempo. Uma perspectiva histórica requer tempo. Então, infelizmente, o tempo passa, você ganha a perspectiva histórica e não consegue mais se livrar dela. The Human Stain 361 págs, US$ 26 de Philip Roth. Houghton Mifflin (EUA). Onde encomendar Em SP, na Livraria Cultura (tel. 0/xx/11/285-4033), e, no RJ, na Livraria Marcabru (tel. 0/xx/21/ 294-5994). Tradução de Clara Allain. Texto Anterior: + sociedade - Rogério Cezar de Cerqueira Leite: Utopia, escassez e genética Próximo Texto: Fábio de Souza Andrade: Biografia real de um homem fictício Índice |
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