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+(d)ebate
Ampliada e revista, "Cultura e Democracia",
de Marilena Chaui, enfoca o encolhimento
do espaço público e a submissão da política à sociedade de espetáculo
Um país em três tempos
LUIZ WERNECK VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tem sido feliz a fortuna
editorial do conjunto
de ensaios reunidos
em "Cultura e Democracia - O Discurso
Competente e Outras Falas"
[ed. Cortez], da filósofa Marilena Chaui. Lançado em 1980,
conhece, agora, a sua 11ª edição, revista e ampliada com a
incorporação de dois novos
substanciosos textos.
Nesta última versão, "Cultura e Democracia" surge, então,
como uma reflexão aplicada a
três tempos: o de 1978 a 1980,
época dos ensaios publicados
na 1ª edição, quando seu cenário foi o das lutas pelo fim da ditadura e pela democratização
do país; o do começo dos anos
1980, com a forte emergência
dos movimentos sociais na esfera pública -o texto "Representação ou Participação?", como informa a autora em nota, é
de 1982; e, por fim, o dos dias
presentes, de encolhimento do
espaço público e de submissão
da política aos procedimentos
da sociedade de consumo e de
espetáculo.
São três tempos, referências
extraídas de quase três décadas
da cena contemporânea do
Ocidente e, em particular, do
nosso país. Não se está, entretanto, diante de um trabalho
que ceda ao contingente, mais
um pretexto, quando comparece na análise, para que a autora
retome, variando a angulação,
a apaixonada argumentação
em favor do seu tema de fundo.
Pois, na verdade, nesta brilhante coletânea de ensaios o
que se tem em mira é a problematização da institucionalidade política da democracia em
um contexto de racionalização
burguesa do mundo, em que "o
tecido da sociedade civil torna-se cada vez mais cerrado e encerrado em si mesmo".
Encerrado em si desde que a
fórmula hegeliana de Estado
"ampliado", incorporador dos
setores socialmente organizados e lugar de criação e difusão
pedagógica da eticidade, perdeu sentido diante da burocratização crescente da vida e da
autonomização da esfera estratégica da ordem burguesa, a
economia, dos processos democráticos de formação de
uma vontade coletiva.
Partindo de Hegel, Gramsci
compreendeu que o Estado
moderno do seu tempo realizava um movimento oposto
àquele do momento heróico da
sua formação: ao invés de se
ampliar socialmente, se torna
progressivamente restrito, insulando os seus comandos da
vida social.
O resultado dessa inversão
teria produzido a predominância dos mecanismos de controle social coercitivos sobre os de
natureza consensual.
Já o desafio de Marilena
Chaui, diante do Estado contemporâneo e de suas instituições políticas formalmente democráticas, consiste em revelar o que há de falsa consciência e de forma de dominação
coercitiva no "discurso competente", que institui assimetricamente, por cima e a partir de
um cânon particularista, o que
deveria ser tomado como de
validade universal por se apresentar como uma interpretação racional da realidade.
Território arriscado
É dessa perspectiva que deriva o fio vermelho que percorre
os ensaios do seu trabalho e
concede a eles uma densa unidade, e que se radica na proposição de que "é autônomo aquele que é capaz de dar a si mesmo
as regras e normas de sua ação".
Estamos, pois, no arriscado
território da democracia radical, cujos perigos a autora não
ignora quando enumera o elenco das suas dificuldades para
operar com o seu próprio objeto conceitual (pág. 310), na medida em que este é um lugar
propício -pela forte mobilização de uma ética de convicção-
para que se abram as portas para uma evasão das realidades
deste mundo.
Para a democracia -segundo
Marx, o enigma enfim decifrado de todas as Constituições-,
contudo, somente uma compreensão rebaixada da ética da
responsabilidade pode admitir
que as normas reguladoras da
convivência social sejam produzidas acima da sociedade ou
falseiem, por meio das mil e
uma formas favorecidas pelas
práticas da democracia representativa, a manifestação da
sua vontade.
Autonomia e democracia:
com essas palavras-chave a autora se encontra com o perturbador "Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel", texto juvenil
de Marx, de 1843, uma verdadeira profissão de fé na democracia, que, longe de ser um elo
perdido em sua obra, lhe é parte essencial, como se confirma
em sua análise sobre a Comuna
de Paris, de 1871.
É aí que Marx sustenta que
somente na democracia se pode desvendar por inteiro o
princípio do político, porque é
nela que o homem "socializado" se faz sujeito da sua história, mesmo rastro que orienta a
corajosa reflexão de Chaui, cuja
maior limitação é a de permanecer no campo da crítica.
A democracia não pode prescindir de um "programa", como
no caso das comunas do texto
de Marx. Nada fácil visualizá-lo
em nosso tempo, de perda de
substância da representação
política e dos partidos políticos.
Mas, para quem o procure,
nenhuma indicação deve ser
desperdiçada, como a que se
apresenta nas formas emergentes de representação funcional, terreno aberto à sociabilidade para sua auto-organização e para a aquisição e defesa
de novos direitos.
LUIZ WERNECK VIANNA é cientista político e
professor do Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro).
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