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+(L)ivros
O escritor austríaco, um
dos principais
em língua
alemã,
fala de seu
trabalho
Devorado pelas palavras
EMILIE GRANGERAY
Faz 16 anos que ele mora em Hauts-de-Seine
(perto de Paris), que
retratou magnificamente em "Meu Ano
na Baía de Ninguém". Há 16
anos escreve ao ar livre, "ao sol,
ao vento, nos bosques frondosos" -"meu ideal". É aqui que,
sozinho, no silêncio e na ausência de outros, entra no que
Wittgenstein chamou de "atmosfera poética".
Peter Handke aceitou falar
conosco sobre seu método e
suas obras. Nascido em 1942 na
pequena cidade de Griffen, na
região de Karst (Áustria), Peter
Handke passou seus primeiros
anos em Berlim Oriental. Sua
mãe, de origem eslovena, casou-se, pouco antes de ele nascer, com um suboficial da
Wehrmacht, como conta em "A
Infelicidade Indiferente".
Em 1966, sua peça "Insulto
ao Público" e seu primeiro romance, "Os Vespões", chamaram imediatamente a atenção.
Quatro anos depois, Handke
realiza "Crônica dos Acontecimentos Correntes", um longa
para a TV. Em 1978 adapta sua
obra "A Mulher Canhota". Depois, escreveria "As Asas do
Desejo", para Wim Wenders.
De Handke, já foram lançados no Brasil "História de uma
Infância" (Cia. das Letras), "A
Ausência", "A Repetição" e "A
Tarde de um Escritor" (Rocco).
Peter Handke começou falando, na entrevista, sobre "De
Manhã na Minha Janela (1982-1987) - Cadernos do Rochedo".
Pergunta - O senhor sempre manteve cadernos de notas? Por que teve vontade de publicar essas "notas,
percepções, reflexões e perguntas"?
Peter Handke - Comecei a fazer
um caderno quando fui internado em um hospital, em 1975.
Até então só tomava notas para
elaborar meus livros. Hoje quase não anoto mais nada: não tenho vontade de ser metódico
demais. Por outro lado, quando
reli esse cadernos, fiquei entusiasmado. Encontrei neles uma
forma: era o mundo ritmado,
com espaços intermediários.
Pergunta - Foram justamente os
russos e os americanos -principalmente Faulkner- que o colocaram
na via da narrativa?
Handke - E que ainda hoje me
levam de volta a ela. A narrativa
-mais do que o teatro, mais do
que a poesia (mas escrever um
poema por ano já é uma graça)- é meu ideal.
Pergunta - O sr. é um grande leitor?
Handke - Leio muito para me
concentrar e para me purificar.
Para me sentir ao mesmo tempo transparente e forte. Para
decifrar, mais do que para consumir. Eu arejo o cérebro por
meio do trabalho com a língua.
Neste momento, por exemplo,
traduzo poesia árabe.
Pergunta - Embora o sr. se imponha
"não caracterizar, não tipificar",
pois, como diz, assim que começamos a emitir uma opinião sobre as
pessoas, a julgá-las, "a poesia termina", o sr. não consegue se impedir
de maltratar os burgueses, esses
"donos do mundo cacarejantes".
Handke - É verdade. Todos os
dias é uma batalha contra a repugnância. No entanto creio
que a opinião impede de escrever. Há dez ou 15 anos transferi
o trabalho de escrever da manhã para a tarde, pois era com
freqüência nesse momento do
dia que eu me deixava levar pelo mau humor e as opiniões.
Agora, quando trabalho, tudo
desaparece. Trabalho até me
cansar. E, quando estou cansado, não tenho mais opiniões.
Pergunta - Com o tempo, as suas
frases se tornaram mais longas.
Handke - Na época de "O Medo
do Goleiro diante do Pênalti"
eu ainda conseguia escrever
frases curtas. É um texto muito
concentrado, que queria terminar antes do nascimento de
meu primeiro filho. E terminei
dois dias antes! Sentia-me então -e ainda me sinto- como
um operário: era grandioso ficar cansado daquele jeito!
Com a idade, percebemos
que fazer frases como flechas
tem um lado um pouco enganador. Mas o que vemos e o que
vivemos como realidade é muito mais complexo. É preciso girar muito o laço para capturar o
animal: não podemos mais nos
contentar em atirar flechas.
No entanto, tenho vontade
-quase saudade- de escrever
frases curtas, mas, como elas
me deixam insatisfeito, volto às
frases longas, que deixam passar mais coisas, que dão conta
de diferentes realidades. Então
me deixo ir, mas prestando
muita atenção. Devo sempre
lutar contra o lirismo de minha
prosa. Nisso meus estudos de
direito ajudaram muito.
Pergunta - Que relação o sr. mantém com a língua alemã?
Handke - O alemão é uma língua magnífica... mística, muito
precisa, perigosa, em que podemos realmente nos perder.
Pergunta - O sr. corrige seus textos?
Handke - É terrível! Pode haver
até quatro revisões, e tenho
muito respeito pelos editores
que aceitam esses manuscritos
que são, às vezes, um verdadeiro campo de batalha!
Às vezes corrijo até perder o
ritmo do primeiro trajeto.
Quando modifico muito, é horrível. Não vejo mais a luz. Fico
próximo demais das palavras.
Sou devorado pelas palavras.
Mas Flaubert e outros já falaram muito sobre essa impotência para que eu acrescente algo.
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves .
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