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O filho bastardo
Pesquisador brasileiro que lança livro sobre segurança na Europa diz que a dura política penitenciária de São Paulo gerou o PCC
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Os atentados da última semana em
São Paulo evidenciam uma mudança na atuação do
crime organizado, que passou a
adotar o terrorismo. É o que
diz Marcos Rolim, 45, consultor da área de segurança pública, que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara em 2000, quando
era deputado eleito pelo PT.
Está lançando "A Síndrome
da Rainha Vermelha" (Jorge
Zahar, 312 págs., R$ 31), resultado de uma pesquisa efetuada
na Universidade de Oxford. No
livro, Rolim aborda a experiência européia no combate ao crime. Na entrevista abaixo, ele
diz que a esquerda errou ao não
apresentar historicamente políticas de segurança.
FOLHA - O que aconteceu em São
Paulo é terrorismo?
MARCOS ROLIM - Eu não tenho a
menor dúvida de que é terrorismo. Os acontecimentos trouxeram para o centro da agenda
política uma onda de terror. Isso é nitidamente uma mudança
de perfil. É uma novidade, mas
acho que é importante ir além
dessa constatação. É preciso reconhecer que o PCC é um filho
bastardo do sistema penitenciário paulista. Se avaliarmos a
experiência da última década,
nenhum Estado cumpriu a receita como São Paulo: polícia
mais rigorosa, leis penais mais
duras, mais presídios, endurecimento da execução etc.
Mas essa seqüência de rigor e
endurecimento produziu mais
violência. O que assistimos
também é o resultado histórico
derivado de uma resposta equivocada na área da segurança
pública. O PCC se formou logo
depois do massacre do Carandiru. Esse tipo de política violenta do Estado tem como subproduto mais violência.
FOLHA - Não está ocorrendo uma
ideologização dos ataques, impedindo a discussão da gestão da segurança pública no país?
ROLIM - Sem dúvida. Esse debate está completamente ideologizado, é manipulado pelos
diferentes sujeitos para objetivos político-eleitorais. Há boas
experiências com algumas polícias em vários Estados. Temos
uma tradição recente que está
se consolidando em municípios
brasileiros, mas em geral essas
experiências são subsumidas
dentro do modelo hegemônico.
FOLHA - Por quê?
ROLIM - Porque existe uma cultura institucional das corporações brasileiras que é muito
forte. Essa cultura mede a eficácia pelo número de prisões. O
policial recebe elogios na sua
folha quando efetua a prisão,
mas evitar a prática de um crime não é registrado.
FOLHA - A esquerda não tem responsabilidade no fortalecimento
desse discurso repressivo?
ROLIM - Claro que sim. Mas
acho que o problema da esquerda é mais amplo que esse. O
problema da identificação da
polícia com a repressão, que está muito vinculado ao problema da ditadura, é o mais imediato. Mas há um problema de
fundo, mais grave. Grande parte das posições mais tradicionais da esquerda vem de uma
tradição marxista, que imagina
que a violência e a criminalidade são subprodutos de uma ordem social injusta.
Isso é um erro. É claro que as
desigualdades sociais produzem tensões. Mas não se resolve o problema apenas com políticas sociais, é preciso que haja
uma política de segurança pública específica, que enfrente o
que chamamos de agenciamento do crime e da violência, as
causas imediatas.
FOLHA - Uma pesquisa Datafolha
indicou que o Poder Judiciário tem
"muita responsabilidade" pelos ataques para 55% dos paulistanos. Isso
se relaciona à idéia de impunidade?
ROLIM - O principal responsável não é o Poder Judiciário
nem são as leis penais, mas a
baixa capacidade investigativa
da polícia. Não estou responsabilizando as polícias, estou dizendo que elas não têm a capacidade necessária, mínima, para esclarecer a autoria de crimes. De cada dez inquéritos policiais no Brasil, nove são piadas de mau gosto.
FOLHA - Como a polícia brasileira
pode ser comparada às da Europa?
ROLIM - Embora haja parâmetros diferentes e histórias distintas, as polícias se parecem
em todo o mundo. Há uma cultura institucional comum. Por
exemplo, as polícias desprezam
os marcos legais em sua ação
quando tratam de segmentos
marginalizados socialmente.
A corrupção também é um
problema mundial. O que as diferencia é sua incidência em cada país, até que ponto isso compromete a estrutura. E a resposta institucional que se oferece a esses problemas.
A experiência européia não
está isenta da corrupção e da
violência policial, mas a dimensão é infinitamente menor.
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