São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O filho bastardo

Pesquisador brasileiro que lança livro sobre segurança na Europa diz que a dura política penitenciária de São Paulo gerou o PCC

MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

Os atentados da última semana em São Paulo evidenciam uma mudança na atuação do crime organizado, que passou a adotar o terrorismo. É o que diz Marcos Rolim, 45, consultor da área de segurança pública, que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em 2000, quando era deputado eleito pelo PT. Está lançando "A Síndrome da Rainha Vermelha" (Jorge Zahar, 312 págs., R$ 31), resultado de uma pesquisa efetuada na Universidade de Oxford. No livro, Rolim aborda a experiência européia no combate ao crime. Na entrevista abaixo, ele diz que a esquerda errou ao não apresentar historicamente políticas de segurança.

 

FOLHA - O que aconteceu em São Paulo é terrorismo?
MARCOS ROLIM - Eu não tenho a menor dúvida de que é terrorismo. Os acontecimentos trouxeram para o centro da agenda política uma onda de terror. Isso é nitidamente uma mudança de perfil. É uma novidade, mas acho que é importante ir além dessa constatação. É preciso reconhecer que o PCC é um filho bastardo do sistema penitenciário paulista. Se avaliarmos a experiência da última década, nenhum Estado cumpriu a receita como São Paulo: polícia mais rigorosa, leis penais mais duras, mais presídios, endurecimento da execução etc. Mas essa seqüência de rigor e endurecimento produziu mais violência. O que assistimos também é o resultado histórico derivado de uma resposta equivocada na área da segurança pública. O PCC se formou logo depois do massacre do Carandiru. Esse tipo de política violenta do Estado tem como subproduto mais violência.

FOLHA - Não está ocorrendo uma ideologização dos ataques, impedindo a discussão da gestão da segurança pública no país?
ROLIM - Sem dúvida. Esse debate está completamente ideologizado, é manipulado pelos diferentes sujeitos para objetivos político-eleitorais. Há boas experiências com algumas polícias em vários Estados. Temos uma tradição recente que está se consolidando em municípios brasileiros, mas em geral essas experiências são subsumidas dentro do modelo hegemônico.

FOLHA - Por quê?
ROLIM - Porque existe uma cultura institucional das corporações brasileiras que é muito forte. Essa cultura mede a eficácia pelo número de prisões. O policial recebe elogios na sua folha quando efetua a prisão, mas evitar a prática de um crime não é registrado.

FOLHA - A esquerda não tem responsabilidade no fortalecimento desse discurso repressivo?
ROLIM - Claro que sim. Mas acho que o problema da esquerda é mais amplo que esse. O problema da identificação da polícia com a repressão, que está muito vinculado ao problema da ditadura, é o mais imediato. Mas há um problema de fundo, mais grave. Grande parte das posições mais tradicionais da esquerda vem de uma tradição marxista, que imagina que a violência e a criminalidade são subprodutos de uma ordem social injusta. Isso é um erro. É claro que as desigualdades sociais produzem tensões. Mas não se resolve o problema apenas com políticas sociais, é preciso que haja uma política de segurança pública específica, que enfrente o que chamamos de agenciamento do crime e da violência, as causas imediatas.

FOLHA - Uma pesquisa Datafolha indicou que o Poder Judiciário tem "muita responsabilidade" pelos ataques para 55% dos paulistanos. Isso se relaciona à idéia de impunidade?
ROLIM - O principal responsável não é o Poder Judiciário nem são as leis penais, mas a baixa capacidade investigativa da polícia. Não estou responsabilizando as polícias, estou dizendo que elas não têm a capacidade necessária, mínima, para esclarecer a autoria de crimes. De cada dez inquéritos policiais no Brasil, nove são piadas de mau gosto.

FOLHA - Como a polícia brasileira pode ser comparada às da Europa?
ROLIM - Embora haja parâmetros diferentes e histórias distintas, as polícias se parecem em todo o mundo. Há uma cultura institucional comum. Por exemplo, as polícias desprezam os marcos legais em sua ação quando tratam de segmentos marginalizados socialmente.
A corrupção também é um problema mundial. O que as diferencia é sua incidência em cada país, até que ponto isso compromete a estrutura. E a resposta institucional que se oferece a esses problemas.
A experiência européia não está isenta da corrupção e da violência policial, mas a dimensão é infinitamente menor.


Texto Anterior: Uma urbe tropical
Próximo Texto: +(L)ivros: Devorado pelas palavras
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.