São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005 |
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UM TEXTO SEM FIM
DA REDAÇÃO
Folha - Por quê transpor a obra para a internet? Eduardo Viveiros de Castro - Já estou arrastando o rascunho desse livro desde quando publiquei o primeiro, em 2002. Comecei então a escrever a monografia sobre o perspectivismo, "A Onça e a Diferença", uma brincadeira com a aliteração sonora e com o conceito do [filósofo francês Jacques] Derrida "différance", que é difícil de traduzir e que já brinquei que, em tupinambá, seria "diferonça". Comecei a acumular anotações, notas e textos de conferências, citações e referências, criando um palimpsesto de 600 páginas, que eu não tinha coragem de arrumar e botar na rua. Foi quando tive a idéia de, em vez de publicar mais um livro solo, fazer um texto que refletisse melhor seu próprio regime de produção. Toda produção intelectual, na verdade, é um processo em que se passa 95% do tempo falando a partir do que outros falaram, sejam os índios com quem conversamos, sejam colegas que escreveram. É uma situação borgeana em que se está sempre dentro de bibliotecas, escritas ou orais. Isso, na verdade, não aparece muito nos textos, por mais que o autor saiba disso. Os livros são autorados por uma única pessoa, têm começo e fim físicos, e fica por aí. Quando comecei a acompanhar essas mudanças no regime de produção e de autoração e de apropriação intelectual usando os meios eletrônicos, comecei a divisar a possibilidade de que o regime coletivo que já existe fosse mais explicitado, num "livro" que fosse escrito por muitas pessoas ao mesmo tempo. Uso uma dessas novas ferramentas, o "wiki", que é um tipo de website em que toda pessoa que acessa pode mudar o conteúdo do que lê e todas as outras pessoas que acessam podem ver essa modificação. Assim, não sou mais só eu que escrevo e não preciso colocar um ponto final. Todo livro tem como aspecto, por assim dizer, triste o fato de ser uma obra fechada, que uma vez publicada não pode incorporar a reação das pessoas. Um texto eletrônico colaborativo está sempre sendo reeditado a partir das reações que ele suscita nas pessoas que vão entrando e que acabam assumindo um pouco da autoria também. Esse texto também é perspectivista, já que está interessado em como as diferentes perspectivas se conectam nesse processo de autoria múltipla. Decidi assim deixar o livro na geladeira por um tempo e iniciar um objeto em que minha participação é uma entre outras. Parafraseando a idéia indígena de que, se tudo é humano, então o ser humano não é tão especial assim, eu diria que então, se todos são autores, o autor não é tão especial assim. Especial é o texto. Folha - As modificações ficam marcadas ou tudo se incorpora? Folha - E quando isso começou? Folha - Dessas 600 páginas de seu
aporte, quanto já entrou? Há um planejamento de como vai ser feita sua
contribuição? |
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