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PONTO DE FUGA
De onde nasce a arte
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
A exposição "Sensation" fez
correr muita tinta, há dois
anos, em Londres. Agora veio
para NY e o escândalo é maior,
com o golpe eleitoreiro do prefeito Giuliani, opondo-se a ela
para ganhar votos no meio de
conservadores bregas. Porque
há conservadores que não são
bregas. Saachi, o dono das
obras expostas, magnata da
propaganda, admira e apóia
Margaret Thatcher. A atitude
de Giuliani provocou uma reação nos meios intelectuais de
Manhattan que pode ser resumida assim: "Sou contra a censura, mas a exposição é uma
droga". Seria bom que fosse.
Saachi, além de conservador,
intervém de modo maciço no
mercado das artes, no qual especula em escala impressionante, enriquecendo mais e
mais. Tudo isso é muito antipático. Porém, pondo fora os
preconceitos, a visita da mostra não revela impostura. As
obras desses jovens britânicos
possuem uma energia surpreendente, ainda mais em
confronto com o vácuo artístico que se tornou NY nos últimos anos. Algumas delas, como a do estrume de elefante no
quadro da Virgem Maria, que
"ofendeu" o prefeito, podem
chocar, não há dúvida. Mas é
muito claro também que não
houve a intenção primária do
escândalo. Existe um investimento sério, da parte do mecenas e dos artistas que ele estimula, em invenções, em técnicas complexas, em sensibilidades realmente fortes e novas.
No meio de um jogo efetivo e
pesado de trapaças, há sinceridade em algum lugar.
Quem é que vai saber de que
esterco precisa o jardim das artes?
Estro - É possível que, nesse
CD, tenha havido vontade de
contradizer a dimensão nacionalista e seus compromissos
ideológicos: A expressão "Barroco Brasileiro" foi suplantada
pelo título "América Portuguesa". Um disco de produção independente que traz música...
brasileira do século 18. Talvez
seja uma atitude mental saudável, duvidando da brasilidade e
desconfiando da excessiva generalização contida no termo
barroco. Nada altera, em todo
caso, o esplendor das obras ali
gravadas, nem a sensibilidade
justa do grupo Armonico Tributo, dirigido por Edmundo
Hora. Algumas composições, é
provável, estão em disco pela
primeira vez. A cantata "Herói,
Egrégio", maravilhosa pela
música e pelo texto, escrita por
um anônimo baiano, tivera pelo menos uma gravação anterior, em vinil, na voz luminosa
de Marília Siegl, regida por Olivier Toni. Disco de grande beleza, é pena que aguarde ainda
para ser transposto em CD.
Nessa nova versão, Elisabeth
Ratzersdorf e os instrumentistas refletem, com elegância e
discrição, embora com certa timidez nos vocalises, o espírito
que preside, hoje, às interpretações de obras daquela época.
Tempo - Saachi diz: "Se eu
estivesse interessado em arte
como investimento, exibiria
apenas Picasso ou Matisse.
Mas não é o que faço. Compro
arte nova, e 90 % do que compro provavelmente não vai ter
mais valor em dez anos, a não
ser para mim. Não sei o quanto
da arte que eu gosto é significante; espero que um pouco
seja. Quem sabe o que vai permanecer? A História é muito
cruel, não é mesmo?". Tal inocência não engana. Mas a manha de Saachi nutre de energia
seu amor pela arte
Precoces - A Juilliard Orchestra, formada pelos alunos
mais avançados da célebre escola, possui uma sonoridade
transparente, seca e precisa,
além de uma vibração entusiástica, elétrica, de juventude
talentosa e efervescente. Dão
concertos gratuitos. Há pouco,
navegaram entre a primeira
audição de uma obra para violoncelo, de Richard Wernick,
dificílima tanto para o solista
quanto para os outros músicos, e a "Quinta Sinfonia", de
Beethoven, dirigida de modo
arrepiante por Robert Mann.
Jorge Coli é historiador da arte.
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