São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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PONTO DE FUGA

De onde nasce a arte

JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York

A exposição "Sensation" fez correr muita tinta, há dois anos, em Londres. Agora veio para NY e o escândalo é maior, com o golpe eleitoreiro do prefeito Giuliani, opondo-se a ela para ganhar votos no meio de conservadores bregas. Porque há conservadores que não são bregas. Saachi, o dono das obras expostas, magnata da propaganda, admira e apóia Margaret Thatcher. A atitude de Giuliani provocou uma reação nos meios intelectuais de Manhattan que pode ser resumida assim: "Sou contra a censura, mas a exposição é uma droga". Seria bom que fosse. Saachi, além de conservador, intervém de modo maciço no mercado das artes, no qual especula em escala impressionante, enriquecendo mais e mais. Tudo isso é muito antipático. Porém, pondo fora os preconceitos, a visita da mostra não revela impostura. As obras desses jovens britânicos possuem uma energia surpreendente, ainda mais em confronto com o vácuo artístico que se tornou NY nos últimos anos. Algumas delas, como a do estrume de elefante no quadro da Virgem Maria, que "ofendeu" o prefeito, podem chocar, não há dúvida. Mas é muito claro também que não houve a intenção primária do escândalo. Existe um investimento sério, da parte do mecenas e dos artistas que ele estimula, em invenções, em técnicas complexas, em sensibilidades realmente fortes e novas. No meio de um jogo efetivo e pesado de trapaças, há sinceridade em algum lugar.
Quem é que vai saber de que esterco precisa o jardim das artes?

Estro - É possível que, nesse CD, tenha havido vontade de contradizer a dimensão nacionalista e seus compromissos ideológicos: A expressão "Barroco Brasileiro" foi suplantada pelo título "América Portuguesa". Um disco de produção independente que traz música... brasileira do século 18. Talvez seja uma atitude mental saudável, duvidando da brasilidade e desconfiando da excessiva generalização contida no termo barroco. Nada altera, em todo caso, o esplendor das obras ali gravadas, nem a sensibilidade justa do grupo Armonico Tributo, dirigido por Edmundo Hora. Algumas composições, é provável, estão em disco pela primeira vez. A cantata "Herói, Egrégio", maravilhosa pela música e pelo texto, escrita por um anônimo baiano, tivera pelo menos uma gravação anterior, em vinil, na voz luminosa de Marília Siegl, regida por Olivier Toni. Disco de grande beleza, é pena que aguarde ainda para ser transposto em CD. Nessa nova versão, Elisabeth Ratzersdorf e os instrumentistas refletem, com elegância e discrição, embora com certa timidez nos vocalises, o espírito que preside, hoje, às interpretações de obras daquela época.

Tempo - Saachi diz: "Se eu estivesse interessado em arte como investimento, exibiria apenas Picasso ou Matisse. Mas não é o que faço. Compro arte nova, e 90 % do que compro provavelmente não vai ter mais valor em dez anos, a não ser para mim. Não sei o quanto da arte que eu gosto é significante; espero que um pouco seja. Quem sabe o que vai permanecer? A História é muito cruel, não é mesmo?". Tal inocência não engana. Mas a manha de Saachi nutre de energia seu amor pela arte

Precoces - A Juilliard Orchestra, formada pelos alunos mais avançados da célebre escola, possui uma sonoridade transparente, seca e precisa, além de uma vibração entusiástica, elétrica, de juventude talentosa e efervescente. Dão concertos gratuitos. Há pouco, navegaram entre a primeira audição de uma obra para violoncelo, de Richard Wernick, dificílima tanto para o solista quanto para os outros músicos, e a "Quinta Sinfonia", de Beethoven, dirigida de modo arrepiante por Robert Mann.


Jorge Coli é historiador da arte.


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