São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 1998

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Sobreviventes temem falar sobre conflito

da Agência Folha, em Crato (CE)

Sobreviventes do Caldeirão entrevistados pela Agência Folha receiam falar sobre os conflitos que resultaram na destruição da comunidade liderada pelo beato José Lourenço.
"Já sofri muito, meu filho", diz a aposentada Alexandrina Tavares de Líria, 81. "O que posso dizer é que o Caldeirão foi um sonho que passou e nada mais. Graças a Deus eu pude viver um sonho e guardá-lo para a eternidade."
Segundo Alexandrina, essa foi a primeira vez, em 60 anos, que ela concedeu uma entrevista e permitiu ser fotografada para uma reportagem. "A perseguição deixa a gente cabreiro. Além disso, não tenho muito o que falar", diz.
Alexandrina era casada com Eleutério Tavares de Líria, filho de Severino Tavares, líder da resistência armada contra a destruição do Caldeirão.
O casal viveu no Caldeirão da fundação à destruição. Severino foi morto pela polícia, mas Eleutério conseguiu sobreviver.
O filho de Alexandrina, José Tavares de Líria, 60, conta que seu pai foi preso várias vezes depois da destruição do Caldeirão. "Nosso pai fez um pacto com minha mãe para não se falar mais sobre o assunto até a morte dela", diz.
Líria afirma que seus pais guardam um dossiê com documentos sobre o episódio que só pode ser divulgado depois da morte deles. Atualmente, José é responsável pela manutenção do túmulo do beato José Lourenço.
O aposentado João Batista de Morais, 73, diz que não lembra do conflito que destruiu Caldeirão. "Foi uma coisa tão triste que minha memória esqueceu disso. Não me lembro de nada. Eu estava com o beato José Lourenço e nós saímos antes da polícia chegar", diz.
O aposentado Alípio Gomes da Rocha, 96, morava no sítio Correntinha, que fica vizinho ao Caldeirão, entre 1936 e 1937.
Ele conta que teve a "sorte" de estar viajando quando ocorreu o conflito. "O que posso dizer é que muita gente morreu por aqui. Eu não vi, mas soube que a polícia arrancou a barba de um beato na unha", diz Rocha.

Parque de Caldeirão
A prefeitura de Crato já encaminhou ao Ministério da Cultura e ao governo do Ceará um projeto propondo a criação do Parque Histórico do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, na área onde está localizado o sítio Caldeirão.
Orçado em RÏ 500 mil, o projeto foi elaborado pelo ex-secretário de Cultura de Crato Rosemberg Cariry, que também dirigiu, em 1985, o documentário em longa-metragem "Caldeirão". Cariry é o mesmo diretor do filme "Corisco e Dadá".
Além da reconstrução física do arraial do Caldeirão e da construção de uma infra-estrutura turística, o projeto prevê o assentamento de 50 famílias de sem-terra na área.
O projeto do Parque do Caldeirão prevê também a construção de uma central de artesanato e um centro de pesquisas agrária e zoológica da região semi-árida, servindo de laboratório para projetos de preservação ambiental no sertão nordestino. (PM)


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