São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 1998

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As agruras de um ecologista


"Mundo do Fim do Mundo" narra luta na Patagônia pelas baleias em extinção


JOÃO BATISTA MELO
especial para a Folha

Os turistas brasileiros que visitam a cidade argentina de Bariloche costumam esticar até Puerto Montt, no Chile, depois de uma bela travessia pelos lagos dos dois países. Quando chegam ali, contemplando o vulto majestoso do vulcão Osorno ou as águas frias do Seno de Reloncavi, têm a nítida impressão de que chegaram ao fim do mundo. Estão redondamente enganados, pois é a partir de Puerto Montt que começam os trajetos que levam ao verdadeiro fim do mundo, atravessando uma miríade de glaciares, montanhas íngremes, florestas impenetráveis e canais de águas geladas. Em seu romance "Mundo do Fim do Mundo", o chileno Luis Sepúlveda percorre uma parte dessa desolada e fascinante região do continente sul-americano. Como fio condutor da viagem está a aventura de um jornalista chileno ligado ao movimento ecológico Greenpeace, que retorna ao seu país após um longo período de exílio na Europa. O seu objetivo é o de desvendar uma complicada trama envolvendo navios baleeiros japoneses, autoridades militares coniventes e uma espécie de baleia ameaçada de extinção que se esconde nos selvagens canais chilenos. Sepúlveda nos revela a impressionante paisagem da região patagônia com um texto que extrai, habilmente, a poesia da objetividade, num estilo que evoca a envolvente secura do italiano Leonardo Sciascia. Em muitos momentos seu trabalho remete também ao clássico "Na Patagônia", de Bruce Chatwin, que é, aliás, mencionado nas primeiras páginas do romance.

A OBRA
Mundo do Fim do Mundo - Luis Sepúlveda. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. Ed. Garamond/Relume-Dumará (r. Barata Ribeiro, 17, sala 202, CEP 22011-000, RJ, tel. 021/542-0248). 148 págs. RÏ 16,00.



Da mesma forma que Chatwin, Sepúlveda mescla trechos de puro conteúdo jornalístico com passagens da mais autêntica literatura. Assim, enquanto acompanhamos o desenrolar da aventura, vamos assimilando informações sobre os povos indígenas que um dia habitaram aquela região, sobre algumas das lendas que povoam o imaginário das populações austrais e, logicamente, sobre as baleias. Contra o livro, pesa apenas o fato de que, às vezes, Sepúlveda exagera em seu papel de jornalista, chegando mesmo a roçar o panfletário. Fica meio difícil de aceitar que convivam no mesmo livro passagens de alto teor poético, como a cena em que o narrador conquista a simpatia de velhos marujos ao contar em voz alta a história de Moby Dick, com trechos inflamados que caberiam melhor num editorial, a exemplo do seguinte: "E ainda há porta-vozes de um pretenso modernismo que ocupam a tribuna dos jornais europeus para desqualificar as medidas de proteção à natureza e tachá-las de "ecolatria', tentando, assim, elevar à categoria de uma nova ética o discurso do tolo que queima a própria casa para se aquecer". Entretanto, até é possível compreender o excesso de entusiasmo que atinge Sepúlveda. Afinal, assim como seu personagem, ele foi exilado pela ditadura militar chilena, atuou com o Greenpeace e tem dedicado boa parte de sua obra à questão ecológica. É fácil encontrar paralelos entre "Mundo do Fim do Mundo" e outros de seus livros, como a novela "O Velho Que Lia Romances de Amor", centrada na dizimação da Amazônia. Em ambas as obras, transitam personagens solitários, dedicados de formas distintas à busca da reintegração do homem com a natureza ou à luta contra aqueles que a destroem. E, sobretudo, flui o texto de um autor que, com certeza, vê na literatura o duplo papel de emocionar e de sensibilizar. Ou seja, Sepúlveda ainda acredita no papel educador e transformador dos livros, e isso já é muito em um mundo onde estrelas como o ensaísta George Steiner saem por aí apregoando o fim da literatura.


João Batista Melo é autor de "As Baleias do Sanguenay" (Rocco) e de "Patagônia" (a ser lançado neste ano pela Rocco).




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