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"TRISTES TRÓPICOS" É O "LIVRO-ACONTECIMENTO" DO ESTRUTURALISMO
O MEDO DA DECADÊNCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
A experiência brasileira e seu
relato em "Tristes Trópicos"
contêm, "em germe, várias
das questões que Lévi-Strauss vai tratar" e fornece bases
para debates contemporâneos da
antropologia, diz Carlos Fausto, 42.
Na entrevista a seguir, o coordenador da pós-graduação em antropologia do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comenta ainda um certo espírito "passadista" do francês, que abrigaria o
temor constante "de que o mundo
está se transformando para pior, que
as coisas se corrompem, que os índios estão desaparecendo".
(RC)
Folha - Qual é a importância do livro
para a obra de Lévi-Strauss e para a
antropologia?
Carlos Fausto - Os "Tristes Trópicos" ocupam um lugar muito particular na obra do Lévi-Strauss. É
quando ele tenta se candidatar ao
Collège de France e é rejeitado. Ele
diz que naquele momento não sabia
o que fazer, achou que sua carreira
acadêmica não teria sucesso e resolve escrever um livro em que não tivesse obrigação científica estrita.
Folha - Nesse momento, o que ele
havia publicado eram "As Estruturas
Elementares do Parentesco"?
Fausto - Exatamente, em 1949. A
tese maior foram as "Estruturas..." e,
a menor, "A Vida Social e Familiar
dos Nambiquaras". Quando os
"Tristes Trópicos" saem, têm um sucesso estrondoso e projetam seu nome para uma audiência maior do
que aquela de etnólogos. É o "livro-acontecimento" do estruturalismo.
Folha - Mas é um livro que ainda faz
um registro de uma antropologia pré-estruturalista, não?
Fausto - É um livro no estilo de crônica de viagem, que não é propriamente a afirmação de um tipo de antropologia, mas que já contém, em
germe, várias questões que Lévi-Strauss vai tratar e que descreve. Ao
mesmo tempo, desde o pós-guerra,
vinha publicando artigos que serão
depois reunidos no "Antropologia
Estrutural".
Folha - Quão importante é essa experiência do Brasil para o aparecimento das "Estruturas"?
Fausto - O Lévi-Strauss acabou,
dentro da disciplina, se consagrando
como um teórico. Ele, de fato, não
fez pesquisa de campo no sentido
moderno do termo -ele fez viagens
a campo. Por essa razão, a gente tende a não olhar para o que essa experiência sul-americana produziu e influenciou aquilo que seria sua obra.
Os nambiquaras aparecem nas
"Estruturas" na primeira parte, mas
estão num certo sentido aquém das
estruturas elementares, porque não
têm grupos, clãs, metades. Mas fornecem para Lévi-Strauss o modelo
mínimo do que seria essa relação de
reciprocidade. Que está lá na sua
forma mais pura, no casamento de
primos, mas ainda não institucionalizada por classes matrimoniais, metades exogâmicas, coisas do gênero.
Esse modelo nambiquara e depois
o modelo bororo, com metades exogâmicas, vão fornecer para ele a base
da intuição do que seria o princípio
de reciprocidade que está no fundamento das estruturas elementares.
Folha - Essa experiência marca toda
sua obra posterior?
Fausto - É fundamental, e não se
entende sua obra, se se quiser julgá-la apenas como uma obra teórica.
Quem não lê aquilo como uma obra
americanista, sobre populações indígenas da América, não é capaz de
julgar o trabalho do Lévi-Strauss.
Folha - Quanto esse livro heterodoxo influencia a produção antropológica para além de Lévi-Strauss?
Fausto - Aí não são apenas os "Tristes Trópicos". A experiência americanista como um todo, em particular nambiquaras e bororos, vai direcionar dois grandes campos de
questões. Um, sobre o que é o dualismo. Será tema de debates gerais na
antropologia. E, outro, a discussão
sobre o lugar da afinidade ou, de
modo mais geral, da alteridade e da
identidade nas filosofias sociais dos
povos ameríndios.
Ele vai retomá-la em 1991, associando o que chamará de um dualismo em perpétuo desequilíbrio, no
qual a identidade é um estado sempre revogável, com a abertura ao outro. Essa necessidade, para a reprodução da sociedade, de que ela busque na alteridade aquilo que lhe permite ter uma dinâmica produtiva.
Folha - Mas ele parece sempre temer
pelos índios, que os nambiquaras estão ameaçados...
Fausto - Ele tem um lado absolutamente racionalista, ferrenho. Ao
mesmo tempo, tem um negócio passadista, uma idéia de que o mundo
está se transformando para pior, que
as coisas se corrompem, que os índios estão desaparecendo, que essas
culturas estão sendo transformadas
de maneira horrorosa -o que não
corresponde à nossa experiência e
ciência pós-moderna, de que a hibridização é uma coisa positiva. Hoje,
[o crítico] José Ramos Tinhorão falando sobre o samba e a tradição é
um porre. Nos anos 60, a gente gostava, ele estava defendendo a pureza.
Hoje a gente gosta do que o Hermano Vianna diz -a mescla, a mistura.
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