São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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PONTO DE FUGA

A Bienal e o rigor

JORGE COLI
especial para a Folha

Organizar as Bienais de São Paulo em torno de um "conceito" é invenção que está, em verdade, no âmbito do "marketing". Esses tais "conceitos" funcionariam como parâmetros estimulantes, se concebidos com rigor. Ao invés disso, tornam-se etiquetas, às vezes sem nenhum sentido, além do mote publicitário. Na última Bienal, a noção da imaterialidade na arte, princípio crucial que poderia ter engendrado uma reflexão profunda e inteligente, foi apenas um rótulo que aglutinou obras disparatadas, sem vínculo algum com o pretenso tema. Ela veio acompanhada por textos esfarrapados, na tentativa de uma desesperada justificação.
Nesta nova Bienal, o "conceito" -antropofagia- é, sem dúvida tratado de modo um pouco mais coerente do que na anterior, embora alargando-se para os limites das metáforas inverossímeis: Malevich, por exemplo, está lá poque "o branco devora todas as outras cores". Mais ainda, a Bienal diz encontrar o sentido primordial de sua "antropofagia" em Oswald de Andrade. Ora, nele reside, essencialmente, o debate sobre os modos de assimilação entre as culturas. Inútil, porém, buscar esta idéia no pavilhão do Ibirapuera. O que permanece ali como coerência é mesmo o corpo humano devorado. A dita "parte histórica" apresenta escolhas muito desequilibradas de obras e autores, numa confusão museográfica indigna de qualquer exposição internacional. Mas, de qualquer forma, é preciso ir à Bienal, que traz, na desordem que é a sua, obras essenciais, muitas pela primeira vez no Brasil.

DESVIO - A arte contemporânea não deve estar mais "rendendo". É o passado que atrai o público destas últimas Bienais. Goya, Van Gogh, Géricault, Magritte, Siqueiros, Giacometti funcionam como chamariz. As pessoas evoluem com interesse por, quem diria, um Meissonier ou um Pedro Américo, pintores arquetípicos daquilo que o século 20 chamou de "acadêmicos". Os "históricos" e os "atuais" não se tocam, em duas exposições paralelas. Isto é, o passado não estimula o presente, nem está lá para isso, como foi, numa Bienal de 30 anos atrás, a retrospectiva Hopper em relação ao retorno à figuração. A Bienal de São Paulo, movida por um grande projeto mercadológico, anda dissolvendo e neutralizando, aos poucos, seu sentido primeiro, que é o de uma intervenção nas artes do presente.

RETORNO - O Masp não é apenas um edifício que recebe exposições sensacionalistas. Ele é, antes de tudo, um excepcional acervo, que, por razões injustificáveis, tem sido ocultado há anos. Este acervo reapareceu graças aos esforços de uma equipe técnica treinada ainda pelo professor Bardi, e está apresentado com tal acuidade e inteligência que a própria disposição das obras transforma cada sala numa lição de história das artes. A ver, absolutamente, antes que elas desapareçam de novo, mergulhadas nas chamadas "reservas técnicas".

OCEANO - Novos CDs vêm revelando a música muito elevada de Carlos Gomes. "Colombo", derradeira grande obra do compositor, é gravado por iniciativa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O maestro Aguiar, os solistas De Nonno, McDavit, Portari, Luz, todos admiráveis, imprimem uma beleza emocionante à obra.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com



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