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PONTO DE FUGA
A Bienal e o rigor
JORGE COLI
especial para a Folha
Organizar as Bienais de São Paulo em torno de um "conceito" é invenção que está, em verdade, no âmbito do "marketing". Esses tais "conceitos" funcionariam como parâmetros estimulantes, se concebidos com rigor. Ao invés disso, tornam-se etiquetas, às vezes sem nenhum sentido, além do mote publicitário. Na última Bienal, a noção da imaterialidade na arte, princípio crucial que poderia ter engendrado uma reflexão profunda e inteligente, foi apenas um rótulo que aglutinou obras disparatadas, sem vínculo algum com o pretenso tema. Ela veio acompanhada por textos esfarrapados, na tentativa de uma desesperada justificação.
Nesta nova Bienal, o "conceito" -antropofagia- é, sem dúvida tratado de modo um pouco mais coerente do que na anterior, embora alargando-se para os limites das metáforas inverossímeis: Malevich, por exemplo, está lá poque "o branco devora todas as outras cores". Mais ainda, a Bienal diz encontrar o sentido primordial de sua "antropofagia" em Oswald de Andrade. Ora, nele reside, essencialmente, o debate sobre os modos de assimilação entre as culturas. Inútil, porém, buscar esta idéia no pavilhão do Ibirapuera. O que permanece ali como coerência é mesmo o corpo humano devorado. A dita "parte histórica" apresenta escolhas muito desequilibradas de obras e autores, numa confusão museográfica indigna de qualquer exposição internacional. Mas, de qualquer forma, é preciso ir à Bienal, que traz, na desordem que é a sua, obras essenciais, muitas pela primeira vez no Brasil.
DESVIO - A arte contemporânea não deve estar mais
"rendendo". É o passado que
atrai o público destas últimas
Bienais. Goya, Van Gogh, Géricault, Magritte, Siqueiros, Giacometti funcionam como chamariz. As pessoas evoluem com
interesse por, quem diria, um
Meissonier ou um Pedro Américo, pintores arquetípicos daquilo que o século 20 chamou
de "acadêmicos". Os "históricos" e os "atuais" não se tocam,
em duas exposições paralelas.
Isto é, o passado não estimula o
presente, nem está lá para isso,
como foi, numa Bienal de 30
anos atrás, a retrospectiva
Hopper em relação ao retorno
à figuração. A Bienal de São
Paulo, movida por um grande
projeto mercadológico, anda
dissolvendo e neutralizando,
aos poucos, seu sentido primeiro, que é o de uma intervenção
nas artes do presente.
RETORNO - O Masp não é
apenas um edifício que recebe
exposições sensacionalistas.
Ele é, antes de tudo, um excepcional acervo, que, por razões
injustificáveis, tem sido ocultado há anos. Este acervo reapareceu graças aos esforços de
uma equipe técnica treinada
ainda pelo professor Bardi, e
está apresentado com tal acuidade e inteligência que a própria disposição das obras
transforma cada sala numa lição de história das artes. A ver,
absolutamente, antes que elas
desapareçam de novo, mergulhadas nas chamadas "reservas
técnicas".
OCEANO - Novos CDs vêm
revelando a música muito elevada de Carlos Gomes. "Colombo", derradeira grande
obra do compositor, é gravado
por iniciativa da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. O
maestro Aguiar, os solistas De
Nonno, McDavit, Portari, Luz,
todos admiráveis, imprimem
uma beleza emocionante à
obra.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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