São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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Chutando lata

LEDUSHA SPINARDI

"Passaria a vida desfolhando plátanos com os olhos". Apertava a lata fétida, até a borda só sopa de injúrias. A vespa implacável lhe brindara: ferrão de pedras e suspiros. Destelhado sob as águas súbitas, deixou-se ninar pelos pingos até a madrugada. Ainda pisando os jardins incoercíveis do sonho, distinguiu o tilintar das algemas. Peito escalando trevas, congelado nos detalhes de metal das fardas. Só conseguiu pensar no primeiro verso de Rimbaud em que embarcara: o oceano supremo do um coração isento de vagas amenas. Exuberância é o que -ao contrário- não sobra? Queima. De dentro do camburão ainda pôde ouvir a lata pipocar na calçada oposta, espalhando o caldo indecoroso.



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