São Paulo, Domingo, 23 de Janeiro de 2000


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+ 3 questões Sobre prisões

1. Qual a saída para as prisões brasileiras?
2. As casas viraram cárceres?
3. Quem mais fatura com a contravenção?
Drauzio Varella responde
1.
Veja o que aconteceu em São Paulo: o governo atual construiu tantas cadeias novas, que dobrou o número de vagas existentes. A intenção era esvaziar os distritos e fechar a Casa de Detenção. Muitos detentos foram transferidos dos distritos e a situação melhorou, mas a detenção não pode ser desativada; não há para onde encaminhar seus mais de 7.000 homens. Todo dia entram e saem presos dos presídios. Só que entra mais gente do que sai: 900 a mais por mês, no Estado. São 10 mil por ano, sem falar nos milhares de ladrões em liberdade, com mandados de prisão já emitidos. Se investíssemos toda a receita do Estado em novos presídios, talvez fosse pouco. Formamos mais bandidos do que somos capazes de prendê-los. A saída é educar as crianças, oferecer uma perspectiva de vida decente para os mais pobres e punir com severidade os criminosos, principalmente os das colunas sociais e os que roubam dinheiro público.

2.
Cárcere é uma força de expressão, mas qual de nós dorme sossegado enquanto os filhos não chegam? Para quem tem dinheiro, é mais fácil lidar com a insegurança: não precisa pegar ônibus, andar por ruas perigosas ou esperar a filha na volta do colégio noturno. Pode até contratar seguranças, instalar alarmes e vidro a prova de bala. Num passeio rápido pela periferia, chama a atenção a quantidade de grades nas portas e janelas. Por mais humilde que seja a construção, a primeira providência é instalar as grades. Para eles, a casa fica com mais jeito de prisão: espaço exíguo, abafado, paredes no reboque. Não existe condomínio arborizado onde passear.

3.
São os que comandam. Os banqueiros e seus assessores no mercado financeiro -responsáveis pela lavagem do dinheiro- ficam com a fatia leonina. Esses senhores usam gravata e formam um grupo à parte, sem contato físico com a marginalidade que executa o trabalho sujo nas ruas ou repartições públicas; desfrutam de impunidade total.
Na outra vertente, os que estão com revólver no cinto, apavorando a população nos semáforos, vendendo crack na bocada, praticamente os únicos que vão presos. Seus chefes são mais espertos, sabem conversar com a polícia e fazer sociedade com advogados competentes.

Paulo Sérgio Pinheiro responde
1.
O sistema de justiça criminal deveria funcionar de forma seletiva, detendo, condenando e encarcerando os criminosos mais perigosos e violentos. Penas alternativas (multas, serviços à comunidade) para crimes sem violência contra a pessoa e delinquentes não-reincidentes. Programas maciços de reabilitação para crianças e jovens infratores e em comunidades assoladas pelo crime, fazendo prevalecer os valores da não-violência.

2.
Sim. A criminalidade violenta e os homicídios aterrorizam a vida cotidiana. As polícias brasileiras são um monumento de brutalidade, incompetência e desperdício. Os governos estaduais, as prefeituras e as elites brancas permitiram que o crime organizado se implantasse nas favelas e periferias das metrópoles. As polícias matam e torturam suspeitos às centenas, em vez de dirigir esforços e recursos para enfrentar as causas mais críticas da violência numa cidade (armas, narcotráfico e crime organizado, inclusive o jogo do bicho).

3.
Organizações criminosas, como o narcotráfico, as quadrilhas de roubo de carga e de automóveis, o jogo do bicho (coluna vertebral do crime organizado); bancos e casas de câmbio que lavam dinheiro; grandes e médias empresas associadas ao narcotráfico; membros do Congresso Nacional e Assembléias Legislativas eleitos com apoio do crime organizado e protegidos pela imunidade (como indicam CPIs); funcionários em todos os níveis do Estado e policiais ligados ao crime organizado. Enfim, migalhinhas para as bases das quadrilhas, "soldados do tráfico", apontadores do bicho.

QUEM SÃO

Drauzio Varella
Médico, autor de "Estação Carandiru" (Companhia das Letras), ganhou no mês passado a menção honrosa do prêmio de direitos humanos Franz de Castro Holzwarth, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Paulo Sérgio Pinheiro
Professor titular de ciência política e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é membro da subcomissão de proteção e promoção dos direitos humanos da ONU, Genebra. Publicou, entre outros, "Combates na História" (Paz e Terra).


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