São Paulo, Domingo, 23 de Janeiro de 2000


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Como é mesmo que se escreve?

  Qualquer um escreveria "Foi uma vitória acachapante". Mas, conforme o "Aurélio" e o "Michaelis", a grafia preferencial seria "acaçapante".

  Os dois compêndios consignam a palavra "arimética" como variante de "aritmética". Permanece um mistério saber quem, alguma vez na vida, grafou "aritmética" sem o "t" (o "Aurélio" consigna também "arimético"). Fenômeno idêntico ocorre com "pósiton", dado pelo "Aurélio" como se fosse variante de "pósitron". Já o "Michaelis" prefere "posítron", com acento no "i". Neste caso, a preferência vem de um motivo filológico perfeitamente razoável (não se escreve "életron") -embora ninguém fale ou escreva assim, o que diz bastante sobre o alcance dos motivos filológicos perfeitamente razoáveis.

  O eventual leitor deve cuidar da próxima vez que for ao médico e este indicar a realização de uma biópsia. Deveria dizer "biopsia", sem acento.

  O "Aurélio" diz que "eletro" é variante de "electro" (de modo que nosso médico também não deve encomendar um eletro, mas um electro), ao passo que, de modo mais sensato, o "Michaelis" inverte a preferência.   Não é só o "Aurélio" que faz confusões com variantes. No "Michaelis", o leitor que procura por "sobressalente" é informado de que se trata de variante de "sobresselente", com "e". Esta, por sua vez, é dada como corruptela de "sobressaliente", de volta ao "a".

  Não vá o eventual leitor comprar uma samambaia e pedir por esse nome: a denominação preferencial, conforme o "Aurélio", seria "gleichênia". Por falar em espécies vegetais (e animais), o "Aurélio" tem uma cobertura errática. Além disso, por vezes não fornece a classificação sistemática (o "nome científico"), a qual corresponde ao único referencial confiável para a identificação de um ser vivo. O "Michaelis" é mais consistente.

  Os adjetivos "anafilático" e "apoplético". As formas preferenciais seriam "anafiláctico" e "apopléctico", com um "c" aí no meio, como se estivéssemos em Portugal.

  Cuidado, também, ao exclamar em casa: "Cadê minha revista?". Os deuses da lexicografia recomendam dizer "Quede minha revista?".

  Pessoas dadas a frequentar bordéis não devem se referir à administradora do estabelecimento como "cafetina". A correção lexical dá preferência a "caftina", sem o "e", como prefere "cáften" a "cafetão". Tanto o "Aurélio" quanto o "Michaelis" chegam ao ponto de declarar que "cafetina" e "cafetão" seriam gíria.

  Há também grafias desviantes ("desviante" nem sequer aparece no "Aurélio" e, no "Michaelis", é reservado à conduta social), consignadas porque compareceram, provavelmente por erro, na obra de algum autor lusitano ou brasileiro ("abóbeda", "autócrata", "expetador").



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