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+ arquitetura
O projetista americano Charles Bosworth, que morreu em 1999, tem expostos
seus desenhos, esboços e rotogravuras na 4ª Bienal de Arquitetura em SP
Protagonista do Brasil moderno
Charles Simpson Bosworth era um
homem muito alto. Ele me olhava de
cima de seu 1,92 m. Isso pode explicar o
tamanho e a ousadia de alguns dos planos arquitetônicos que ele criou no Brasil. O gigantesco norte-americano da Califórnia passou a maior parte de sua vida
criando fábricas, edifícios de escritórios,
galerias de arte e casas na nova terra que
escolheu, o Brasil.
Bosworth, que morreu em junho do
ano passado, é o tema de uma sala dedicada à sua saga profissional de 50 anos
no Brasil na 4ª Bienal Internacional de
Arquitetura (que acontece no parque
Ibirapuera, em SP, até terça-feira).
Bosworth pisou no Brasil pela primeira
vez ao desembarcar no Galeão, aos 33
anos. Tinha sido enviado em missão de
trabalho a São Paulo, dos escritórios do
internacionalmente famoso projetista
industrial Raymond Loewy, criador de
ícones culturais como a esguia locomotiva S-1 da Pennsylvania Railroad, carros
para a Studebaker no pós-guerra, o ônibus Scrinicruiser da Greyhound, a voluptuosa e curvilínea garrafa da Coca-Cola e a embalagem adotada pelos
cigarros Lucky Strike no pós-guerra.
Antes dos 30 anos, Bosworth fora enviado para trabalhar como artista e designer na Briggs Manufacturing,
que atendia a indústria automobilística em Detroit, desenhando carros, produzindo alguns dos esboços refinadamente detalhados, com lápis coloridos sobre o papel preto, que sobrevivem hoje em sua sala na Bienal.
Carros e aviões
Desenvolvendo seu talento como
desenhista, Bosworth projetou os esbeltos conversíveis
da Packard e os carros de sonhos que amarram a imaginação do público aos produtos ainda em desenvolvimento. Também a trabalho, ele voltou à Califórnia para
um emprego em projeto primário e engenharia com a
Douglas Aircraft Company. Ele trabalhou em aviões de
ataque e estudou engenharia e matemática avançada.
Nos últimos 18 meses da Segunda Guerra Mundial,
com a vitória já à vista, ele e seus colegas começaram a
ser pressionados para que projetassem aviões confortáveis para os passageiros, começando com o aerodinâmico quadrimotor gigante que o transportou ao Brasil
pela primeira vez. Com a conclusão favorável da guerra,
Bosworth pôs o pé na estrada.
Em sua vida profissional dividida entre o Rio de Janeiro e São Paulo, Bosworth logo conquistou atenção por
seus projetos inovadores, como o do National City
Bank na avenida Ipiranga, o da fábrica e salões de exposição da E.R. Squibb & Sons e o projeto estrutural do
Hotel Sheraton, do Rio, desenhado por Henrique Mindlin.
Entre os primeiros trabalhos que Bosworth obteve estavam a sede do American Club do Rio, residências na
Gávea com vistas para a praia de Ipanema e a Lagoa e
construções em São Paulo.
Nos anos que se seguiram, Bosworth se tornou a figura central em duas grandes empreiteiras, com escritórios e projetos que se estendiam de Recife a Porto Alegre
e Buenos Aires. Essas empresas executaram mais de
cem projetos industriais no Brasil. A lista de clientes é
uma espécie de resumo do despertar da indústria em
um gigante tropical.
Boa vida
Os clientes incluíam Ericsson, Pfizer,
Merck Sharp & Dohme, Willys Overland do Brasil
(lembra?) e também Ford, General Motors, Brasmotor
do Brasil, White Martins, Union Carbide, Nestlé e
Avon, entre muitas outras.
Ele projetou o Resort Peninsula e o Samambaia Club,
no Guarujá. Em 1977, na avenida Paulista, Bosworth
concluiu o futurista Edifício Eluma, um prédio de ocupação múltipla servindo o coração financeiro da América Latina.
A exposição da Bienal é um retrato fascinante da vida
boa e simples das classes altas na Sampa do pós-guerra.
Com a "entrée" na comunidade estrangeira de negócios que seus diversos
projetos logo propiciaram, os Bosworth
se aventuravam ao distrito suburbano de
Santo Amaro para um churrasco domingueiro. Estavam sempre na companhia
dos principais norte-americanos na arena dos negócios internacionais da cidade: os Woolleys, June e Joachim Esteve,
de Dallas, e os representantes do King
Ranch, os Klebergs do sul do Texas.
Havia os Wadels, Dick Varty do National City Bank e os presidentes da Ford e
da General Motors.
O gamão era o jogo predileto de muitos
deles, um desafio de salão para os líderes
empresariais.
Nos suplementos rodados em rotogravura naquela época, eles representavam
os estilos de vida que haviam trazido
com eles ou inventado em um quente sonho tropical. As fotos mostram casais vivazes, pessoas conversando descontraidamente em gramados ou reunidas em
torno de uma piscina ou um bar, com copos nas mãos, acompanhadas de convidados mais exóticos, como o playboy Baby Pignatari, para quem Bosworth fez alguns projetos mais tarde.
A exposição sobre Bosworth na Bienal é fascinante
pelos vislumbres que oferece sobre um dos níveis de poder da São Paulo do passado.
Esculturas sensatas
Os sociólogos e os amantes
da fofoca vão rezar pela publicação, o mais cedo possível, de uma biografia relatando a saga brasileira dos
Bosworth, escrita por Ed Leffingwell, ex-curador chefe
da P.S.1 de Nova York e diretor de artes visuais da cidade de Los Angeles.
Leffingwell é um dos colaboradores sobre o Brasil da
"Art in America". Poucos escritores compreendem tão
bem a cena da arte na América Latina, e ele conhecia
Bosworth muito bem.
Nos seus últimos anos, Bosworth passou a se dedicar
às artes. Criou uma série de esculturas muito bem pensadas e sensatas, além de projetar e supervisionar a
construção de dois pavilhões de arte admiráveis para
um amigo na Chácara Flora, em São Paulo.
Bosworth foi um protagonista significativo na construção do Brasil durante cinco décadas de crescimento
e mudanças dramáticas (por vezes radicais) em um dos
mais dinâmicos centros populacionais do mundo.
Ele morreu, em sua casa na cidade, muito longe da
Califórnia, em junho de 1999.
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