São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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Em "A Outra Independência", o historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello defende que o Nordeste teve um papel importante no processo de emancipação do Brasil, no século 19

O nascimento de uma nação

Fabio Marra - 12.mar.2002/Folha Imagem
Detalhe de painel de Cícero Dias que conta a saga de frei Caneca, em Recife (PE)


MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um importante livro que recoloca a discussão sobre o processo de emancipação do Brasil é: "A Outra Independência - O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824", de Evaldo Cabral de Mello. Para o autor, é necessário romper com o ponto de vista que analisa o processo de fundação do império do Brasil somente pela ótica do Rio de Janeiro, ou seja, dos interesses daqueles identificados com o poder unitário vinculados à elite política paulista-mineira-fluminense. Para ele, a emancipação não é um processo que se resume aos anos 1820-1822, mas se estende até 1824, quando os revolucionários da Confederação do Equador são derrotados.
Lembra Evaldo Cabral que as Províncias do Norte viviam no início do século 19 um momento de prosperidade econômica graças ao açúcar e, principalmente, ao surto algodoeiro. Essa riqueza era escoada através de Pernambuco, transformando a capitania em importante pólo econômico que atraía o comércio do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe -e em geradora de enorme superávit comercial nas relações com a metrópole.
Pernambuco não se destacava somente pelas atividades econômicas mas por uma intensa vida política, que se intensificou após a chegada da família real ao Brasil, em janeiro de 1808. A oposição entre os interesses de uma elite nativa e aqueles vinculados à coroa portuguesa acabaram conduzindo à Revolução de 1817, onde o elemento fundamental foi a defesa da independência, opondo-se a qualquer projeto que mantivesse o vínculo com a metrópole, mesmo com o véu constitucional.

Mobilização
A repressão que se abateu sobre os revolucionários, vinda da Bahia, por meio da ação do conde dos Arcos, não tirou o ânimo dos insurgentes pernambucanos, mesmo derrotados e com seus líderes presos ou exilados. Em 1820 a Província já estava novamente mobilizada. A chegada da notícia da Revolução do Porto -com dois meses de atraso- causou enorme euforia. Os choques com os comerciantes portugueses foram inevitáveis: era a forma mais próxima e visível do odiado domínio colonial.
Acompanhando "pari passu" os acontecimentos do Rio de Janeiro, a elite política pernambucana não pretendia ficar à margem do processo independentista. Afinal, o que estava sendo decidido era o pacto político que seria estabelecido com a antiga metrópole e, no caso de um rompimento, a forma como seria organizado o novo Estado. A permanência de d. Pedro no Brasil -o Fico- e a convocação da Assembléia Constituinte acabaram precipitando os acontecimentos.
A adesão do Norte à causa independentista era fundamental para a elite paulista-mineira-fluminense. O Sul tinha um projeto de Estado que, apesar de algumas divergências políticas, garantia a centralização do poder no Rio. Nesse ponto é que morava o principal ponto de discórdia: para os federalistas pernambucanos, com o fim do domínio português a soberania política reverteria para as Províncias e estas, livremente, negociariam um pacto constitucional, com a opção de não aceitá-lo e buscar, por vontade própria, uma outra forma de organização política.
Ou, como dizia frei Caneca, o Brasil estava independente, mas não constituído. Isso, segundo o autor, não configura uma forma de separatismo -acusação repetida "ad nauseam" contra os revolucionários de 1817-, pois inexistia, naquele momento, a nação brasileira plenamente constituída.

Defesa da federação
Os acontecimentos acabaram se precipitando e os rumos políticos foram sendo dados pelo Rio de Janeiro. Veio o Sete de Setembro de 1822, a reunião da Assembléia Constituinte, seu fechamento (novembro de 1823) e a imposição da Constituição de 1824 (março de 1824). Novamente Pernambuco se levantou em defesa do federalismo, contra o unitarismo centralista e o despotismo imperial. Numa conjuntura política extremamente complexa, onde se misturavam rumores de que d. Pedro só reinaria no Sul e entregaria o Norte a d. João 6º , de expedições militares recolonizadoras, eclodiu a Confederação do Equador.
Novamente os federalistas foram derrotados e o poder central impôs a ferro e fogo a sua vontade. A vitória contra os federalistas, além da importância política, permitiu manter o controle econômico sobre as Províncias do Norte, principais geradoras de divisas para o novo Estado.
Na história oficial, os revolucionários de 1817 e 1824 foram quase apagados. Como curiosidade, basta, por exemplo, percorrer as ruas próximas ao monumento do Ipiranga, em São Paulo, e observarmos os nomes dos logradouros públicos. Muitos são homenageados -até o comandante Taylor, que, em 1824, bombardeou Recife-, porém, os federalistas foram esquecidos.

Marco Antonio Villa é historiador e professor no departamento de ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos (SP). É autor de "Jango, um Perfil" (ed. Globo).

A Outra Independência
264 págs., R$ 42
de Evaldo Cabral de Mello. Ed. 34 (r. Hungria, 592, Jardim Europa, CEP 01455-000, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/3816-6777).


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