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A força da ideologia
por Walnice Nogueira Galvão
A utopia dos brasileiros, ao que tudo indica, assenta no alicerce da auto-estima, que nada consegue abalar, nem mesmo a derrocada da moeda. Os dados desta pesquisa acabam por comprovar a força da ideologia, verificável como fé no país e
no futuro.
Diversos indicadores correlatos ratificam essa generalização. A importância do Brasil no mundo é, ao ver da
absoluta maioria (79%), enorme. Aqui, o otimismo
atinge as raias da candura.
O que é ainda corroborado pela opinião, com menor
peso, mas também envolvendo a maioria (60%), de que
o Brasil vai-se tornar uma superpotência econômica.
Vão no mesmo rumo outras porcentagens secundárias que se depreendem de algumas tabelas, montando
um quadro de certezas e confiança, o que certamente é
inesperado, se não surpreendente.
No entanto, o que de nenhum modo é contraditório,
aparece com clareza o temor ao desemprego, sinal de
que se mantêm atentos ao que se passa. Mesmo que se
manifeste em escala individual, como temor por seu
próprio emprego. Quando pensam em futuro, o que
lhes vem à cabeça imediatamente, deixando longe todas
as outras possibilidades, é algo relativo a trabalho, ou
melhor, a ter trabalho. Preocupação partilhada por homens e mulheres igualmente; apenas os mais velhos
têm em mente também a saúde.
Desemprego estrutural
Como a amostra teve o
cuidado de se segmentar por regiões, vê-se que os problemas de ter trabalho são mais sensíveis no Nordeste e,
mais acentuadamente, entre os jovens. Claro, defrontam-se com um mercado de trabalho saturado, onde o
desemprego estrutural se alastra e onde não há lugar
para eles.
E, quando se pergunta sobre o futuro do país, outra
vez demonstrando consciência alerta, não é o medo à
violência que surge em primeiro lugar -como se poderia prever a partir das estatísticas, denotando uma escalada, e da exploração da mídia-, mas anseios sociais:
esperança de melhorar, aspiração por bons governantes e empregos. Só depois é que aparece o desejo de
mais segurança, no sentido de diminuição da criminalidade.
Resultados curiosos decorrem da identificação do herói nacional. Se o nome de Getúlio Vargas (6%) é proferido pelos mais velhos paralelamente ao de Ayrton Senna (11%) pelos mais jovens, de tal modo que ambos empatam no campeonato das simpatias, é de assinalar que
ambos são do tipo "mártir": ecoando o consenso, pode-se dizer de ambos que deram a vida pelo Brasil. E, no caso do segundo, que deu a vida pela glória do Brasil no
exterior, tornando-se um bode exultório. Entre as personagens históricas, Tiradentes, como era de esperar,
vem à frente (4%), agregando mais um mártir.
A escolha do povo como herói, embora em mínima
proporção (3%), mostra relação direta com classe social, escolaridade e renda. À medida que aumentam, intensifica-se também a concepção do povo como herói,
sugerindo que o povo é o outro, o observado de fora. Ou
mais um mártir, desta vez coletivo?
As mulheres e os não-brancos são os grandes ausentes, nessa categoria. A formulação só no masculino não
dava lugar, e é até de admirar que Elis Regina, Regina
Duarte e Rachel de Queiroz tenham sido sequer mencionadas. Não há heróis de cor, apenas Zumbi dos Palmares e José do Patrocínio, cujos nomes, em insignificante sufrágio, foram lembrados por alguns que assumem sua cor.
Quanto à contribuição ao Brasil de vários povos e etnias, valoriza-se o branco português (51%). No amplo
espectro de cores auto-atribuídas, todos, brancos, pardos, pretos, indígenas, amarelos -ou outros- são
unânimes. A mais alta avaliação positiva dos portugueses é a dos indígenas (64%)! Os que se dizem pretos ou
amarelos têm um pouco menos de consideração por
nossos colonizadores (44%), mas ainda assim em proporção nada desprezível. Neste capítulo, enquanto a
maioria não conseguia escolher um herói, apenas 8%
não sabem a relevância do que cada povo ou raça trouxe para o acervo comum.
Esse indicador alia-se à alta porcentagem dos que
pensam que o país, ante outros países, é exemplar na
mistura de raças e culturas (76%), mostrando que o mito da democracia racial é um fato.
Lula e FHC
Todavia, quando se pergunta sobre a
maior contribuição que o Brasil tem dado ao mundo,
seria de esperar que a resposta confirmasse essa. Mas
não, apenas 7% escolhem a alternativa, e em quinto lugar, depois de esporte (com 35%), música, agricultura e
televisão, nessa ordem. Aqui também na razão direta de
classe, renda e escolaridade, mostrando que, embora a
porcentagem dos que louvam a miscigenação seja pequena, ela tende a ser maior nas camadas mais bem
aquinhoadas da população.
Para terminar: quando se confrontam dados que não
estão ali para serem confrontados, vê-se que FHC fica
em primeiro lugar como a cara do presente (9%), enquanto Lula fica em primeiro lugar como a cara do futuro (5%), invertendo as posições com os mesmos 3%
para cada um. Embora com faixas tão estreitas seja arriscado estabelecer cotejos, não deixa de ser irônico.
Walnice Nogueira Galvão é ensaísta e crítica literária, autora, entre outros, de "A Donzela-Guerreira" (Ed. do Senac) e "Desconversa" (Ed. da
UFRJ).
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