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+ brasil 501 d.C.
Festas regeneradoras de abril
José Murilo de Carvalho
Já que abril é mês de celebrações nacionais, também celebro. Há poucos
momentos em nossa história política
que merecem celebração. Um deles
se passou no mês de abril, há 169 anos.
No dia 7 de abril de 1831, por obra conjunta do povo e da elite, nacionalizou-se
a monarquia, consolidou-se a Independência, firmou-se o sistema representativo. Nessa data os brasileiros tomaram
posse do Brasil. Momento fundador que
merece celebração. Vale a pena recordá-lo.
A lua-de-mel entre os brasileiros e d.
Pedro, iniciada em 1822, acabou um ano
depois, quando o imperador dissolveu a
baionetas a Assembléia Constituinte. Daí
em diante foi um derrapar constante em
direção ao divórcio. Listo alguns marcos
do desencontro. Em 1824 foi outorgada
uma Constituição em lugar da que estava
sendo elaborada pela Constituinte. O
método da outorga despertou a ira de
muitos, sobretudo no Norte.
Frei Caneca argumentou que o imperador violara o pacto social que presidira
à fundação do império, deixando as partes contratantes livres para seguirem o
caminho que desejassem. A Confederação do Equador fez exatamente isso: proclamou a independência de Pernambuco
e províncias vizinhas. Para punir os envolvidos foram criadas as comissões militares, que um deputado chamou de invento infernal, pois não garantia a defesa
dos acusados. O frade carmelita pagou
com a vida a adesão à revolta.
Guerra desastrada
Entre 1825 e
1828 o governo envolveu-se em guerra
desastrada com a Argentina em torno da
posse da província Cisplatina. Milhares
de contos foram gastos e cerca de 8.000
brasileiros morreram na guerra, muitos
de doença nos navios que os levavam para o sul. Alemães e escoceses recrutados
para a guerra revoltaram-se no Rio, em
1828, morrendo na repressão 60 escoceses.
D. Miguel, irmão de d. Pedro, usurpou
o governo de Portugal que deveria pertencer à sobrinha d. Maria da Glória. O
imperador envolveu-se a fundo na luta
dinástica, inclusive gastando dinheiro
brasileiro para armar tropas partidárias
da filha que trouxe para o Rio juntamente com muitos emigrados. O envolvimento do imperador veio agravar as
queixas contra a atuação do gabinete secreto chefiado por Chalaça e contra o favorecimento de portugueses em nomeações e outras benesses. Em 1826, a Câmara já descobrira, escandalizada, que d.
Pedro se comprometera, por convenção
secreta adicional ao tratado de paz de
1825, a pagar 2 milhões de libras a Portugal, das quais 1,4 milhão se destinava a
cobrir dívidas contraídas na Inglaterra
para combater a Independência brasileira!
A reação brasileira começou a partir da
inauguração da primeira legislatura, em
6 de maio de 1826. Em princípio timidamente, devido às lembranças da dissolução de 1823, a Câmara foi aos poucos se
afirmando como contrapeso ao absolutismo. Chega a ser comovente a crença
quase ingênua dos deputados liberais
nas instituições representativas e o entusiasmo que punham no aprendizado do
ofício de representantes. Um deles, Bernardo Pereira de Vasconcelos, publicou
em 1828 longa carta a seus eleitores mineiros prestando conta de seus atos e
submetendo-se a seu julgamento. A população aderia com entusiasmo enchendo as galerias da Câmara (as do Senado
ficavam vazias).
A primeira legislatura, de 1826 a 1829,
dedicou a maior parte de seu tempo a
forçar o Executivo a se adaptar às regras
do sistema representativo. As palavras
Constituição, Assembléia Geral, liberdade, independência, cidadão, patriota,
mais tarde federação e república, começaram a invadir lentamente o vocabulário político graças à ação dos deputados
liberais e ao ressurgimento da imprensa,
sobretudo a liberal e a exaltada, até então
sufocada pela repressão. A cada conflito
com o imperador crescia a confiança da
oposição e o radicalismo da linguagem.
A revolução francesa de julho de 1830,
que depôs o regime absolutista de Carlos
10º, ajudou a precipitar os acontecimentos. A notícia chegou ao Brasil a 14 de setembro e, segundo o testemunho fidedigno de John Armitage, provocou um
choque elétrico no país, sobretudo no
Rio, Bahia, Pernambuco e São Paulo, onde a população celebrou nas ruas e nas
casas. A partir daí cresceu a oposição e o
radicalismo. Celebrações da revolução
francesa em São Paulo resultaram no assassinato do jornalista italiano Líbero
Badaró, supostamente a mando do ouvidor local.
"Às armas"
Ao final do ano de 1830,
o imperador foi a Minas para tentar refazer sua popularidade e desfazer tentativas de revolta. Foi acolhido com vivas ao
imperador enquanto constitucional e cerimônias fúnebres em homenagem a Badaró. Ao regressar ao Rio, em março de
1831, foi recebido com festa pelos portugueses. Luminárias, fogueiras, enfeites
cobriram as ruas da Quitanda, dos Ourives e Direita, onde se concentrava o comércio português. Reagiram os brasileiros e o tumulto tomou conta da cidade.
Agressões verbais, pés-de-chumbo de
um lado, cabras de outro, e físicas, generalizaram-se. A cidade tornou-se um
campo de batalha.
Os brasileiros voltaram a usar como
identificação o laço amarelo da Independência, ou uma sempreviva, na lapela (liberais) ou no chapéu de palha (exaltados). Para se livraram de suspeitas, os
franceses residentes na cidade recorreram aos laços tricolores. Deputados que
aguardavam a abertura das Câmaras exigiram medidas do governo, ameaçando
pôr em jogo a própria sorte do trono.
Jornais radicais, como "O Repúblico", de
Borges da Fonseca, gritavam "Às armas!", enquanto em Minas e São Paulo
os liberais se armavam de fato.
A partir do dia 3 de abril, multidão calculada em 4.000 pessoas começou a reunir-se no Campo de Santana. Misturavam-se todas as classes, libertos, artesãos, soldados, oficiais, jornalistas, juízes
de paz, deputados e um único senador,
Vergueiro. Armitage salientou a presença de muitos pardos e negros no meio da
multidão. Entre os radicais, salientavam-se Cipriano Barata, um ancião de 69
anos, redator da "Sentinela da Liberdade", excepcionalmente fora da cadeia, e
Borges da Fonseca, redator de "O Repúblico", jovem de 23 anos. Entre os liberais, viam-se os deputados Evaristo da
Veiga, Odorico Mendes, José Custódio,
Vieira Souto e o senador Vergueiro.
Uma troca desastrada de gabinete no
dia 5 de abril serviu de pretexto para o ultimato da multidão ao imperador, exigindo a reintegração do gabinete deposto. Idas e vindas entre o Campo de Santana e São Cristóvão não produziram efeito. Nesse meio tempo, toda a guarnição
militar da Corte, inclusive o batalhão do
imperador, tinha aderido aos manifestantes. O documento da renúncia foi redigido na madrugada do dia 7.
Foi imensa a alegria no Campo de Santana, na cidade e em todo o país. Liberais
e exaltados, ainda irmanados, celebraram a vitória como sendo o início da
existência política nacional. O liberal
Vasconcelos concordou com os exaltados em chamar o 7 de abril de revolução gloriosa. O Brasil foi apresentado como exemplo para o mundo, sobretudo para a França, por ter realizado uma revolução sem derramamento de sangue, graças ao congraçamento de povo, tropa, deputados e juízes de paz. A
data entrou para o calendário de festas cívicas e o Campo de Santana foi renomeado Campo da Regeneração.
Mais tarde, Teófilo Otoni, que fizera sua própria revolução no Serro, referiu-se ao 7 de abril como jornada de
otários, querendo dizer com isso que, embora feito pelos exaltados, dele se apropriaram os liberais. Os radicais foram de fato derrotados na luta que se seguiu. Mas
a data não foi só deles. Foi o único momento na história
do país em que povo, tropa e elite se uniram para promover uma revolução política. Talvez o efeito mais profundo do 7 de abril esteja refletido na observação de
Carl Seidler: "Todo mulato esfarrapado imaginava que
era príncipe porque a seu ver o nobilitava o "eu sou brasileiro verdadeiro'". Por isso, nas festas de abril, celebro
o dia 7.
José Murilo de Carvalho é professor titular do departamento de história
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de "Pontos e Bordados"
(Ed. da UFMG), entre outros. Ele escreve mensalmente na seção "Brasil 501
d.C.", da Folha.
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