São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ literatura

A viravolta machadiana

O CRÍTICO REDISCUTE, EM TEXTO A SER LANÇADO EM ENCICLOPÉDIA SOBRE O ROMANCE, AS RAZÕES QUE TORNAM A OBRA DE MACHADO DE ASSIS REVOLUCIONÁRIA

por Roberto Schwarz

Entre 1880 e 1908, Machado de Assis escreveu quatro ou cinco romances e algumas dezenas de contos de grande categoria, muito acima do que a ficção brasileira -incluída aí a produção anterior do próprio Machado (1839-1908)- havia oferecido até então. São livros que se afastam da mistura romântica de colorido local, romanesco e patriotismo, ou seja, da fórmula fácil e infalível em que o público leitor da jovem nação se comprazia. A diferença, que não é de grau, tem muito alcance e merece reflexão. No caso, a mudança não excluía as continuidades, de que precisava, embora as transfigurando. Na boa observação de um crítico, Machado de Assis "se embebeu meticulosamente da obra dos predecessores", de cujos acertos em matéria de descrição de costumes e esforço analítico tinha consciência clara (1). Também as limitações e inconsistências desses mesmos modelos não escapavam a Machado. Com notável espírito de superação, ele as procurou corrigir e -discretamente- ironizar, retomando em chave menos inocente os núcleos temáticos e formais desenvolvidos pelos antecessores e aliás por ele mesmo em trabalhos prévios. A justeza das retificações decorre do tino malicioso para os funcionamentos sociais e para a especificidade do país, que servem à verificação satírica. Assim, uma tradição local e breve, encharcada de modelos europeus e trazendo as marcas da descolonização recente, culminava num inesperado conjunto de obras-primas. Os rearranjos em matéria e forma operados por Machado faziam com que um universo ficcional modesto e de segunda mão subisse à complexidade da arte contemporânea mais avançada. Para sublinhar o interesse desse percurso, digamos que ele configura em ato, no plano literário, uma superação das alienações próprias à herança colonial. A ousadia machadiana começou tímida, limitada ao âmbito da vida familiar, na qual analisava as perspectivas e iniqüidades do paternalismo à brasileira, apoiado na escravidão e vexado por idéias liberais. Sem faltar ao respeito, colocava em exame o desvalimento inaceitável dos dependentes e o seu outro pólo, as arbitrariedades dos proprietários, igualmente inaceitáveis, embora sob capa civilizada. Quanto ao gênero, tratava-se de um realismo bem pensante, destinado às famílias. Quanto à matéria, Machado fixava e esquadrinhava com perspicácia um complexo de relações característico, devido ao reaproveitamento das desigualdades coloniais na órbita da nação independente, comprometida com a liberdade e o progresso.

Narrador agressivo
Em seguida, a partir de 1880, a ousadia se torna abrangente e espetacular, desacatando os pressupostos da ficção realista, ou seja, os andaimes oitocentistas da normalidade burguesa. A novidade está no narrador, humorística e agressivamente arbitrário, funcionando como um princípio formal, que sujeita as personagens, a convenção literária e o próprio leitor, sem falar na autoridade da função narrativa, a desplantes periódicos. As intrusões vão da impertinência ligeira à agressão desabrida. Muito deliberadas, as infrações não desconhecem nem cancelam as normas que afrontam, as quais entretanto são escarnecidas e designadas como inoperantes, relegadas a um estatuto de meia-vigência, que capta admiravelmente a posição da cultura moderna em países periféricos. Necessárias a essa regra de composição, as transgressões de toda sorte se repetem com a regularidade de uma lei universal. A devastadora sensação de Nada que se forma em sua esteira merece letra maiúscula, pois é o resumo fiel de uma experiência, em antecipação das demais regras ainda por atropelar. Quanto ao clima artístico de época, este final em Nada é uma réplica, sob outro céu, do que faziam os pós-românticos franceses, descritos por Sartre como os "cavaleiros do não-ser" (2).
À primeira vista, Machado trocava uma esfera acanhada e provinciana por outra enfaticamente universal e filosófica, amiga de interpelações, apartes e dúvidas hamletianas, à qual aliás não faltava a nota da metafísica barata, reencontrando o tom de província noutro nível mais letrado (um achado esplêndido e moderno). Note-se que nesta segunda maneira, a das grandes obras, o universo da primeira continuava presente, como substância anedótica -mas não só.
No mais conspícuo, as provocações machadianas reciclavam uma gama erudita e requintada de recursos pré-realistas, em desobediência aberta ao senso oitocentista da realidade e a seu objetivismo. Conforme o aviso do próprio autor, ele agora adotava "a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre", referindo-se, mais que tudo, ao arbítrio digressivo do romance europeu do século 18 (3). Não obstante, e ao contrário do que fariam supor as quebras de regra, o espírito era incisivamente realista, compenetrado tanto da lógica implacável do social como da tarefa de lhe captar a feição brasileira. E era também pós-realista, interessado em deixar mal a verossimilhança da ordem burguesa, cujo avesso inconfessado abria à visitação, em sintonia com as posições modernas e desmascaradoras do fim-de-século. O teor de paradoxo histórico da combinação é alto, mas funcional a seu modo, conforme veremos. Seja como for, ela pressupunha uma cultura literária e intelectual de tipo novo no país.
Ironia no trato com a Bíblia, os clássicos, a filosofia e a ciência; experimentação formal contínua, alimentada por idéias avançadas sobre a dinâmica do inconsciente, pela perspicácia desabusada diante dos interesses materiais e por uma reflexão social própria, ciente das especificidades pátrias e dos lados duvidosos do nacionalismo; independência também na adoção de inspirações alheias, buscadas fora do "mainstream" francês e português contemporâneo, além de adaptadas à circunstância brasileira com engenho memorável; competição com o naturalismo, a cujos determinismos simples -tão convincentes e errados no contexto da ex-colônia tropical- opunha causações complexas, não menos poderosas (mas limpas de racismo); confiança na potência da "forma livre", cujos efeitos o narrador não glosa no essencial, ou glosa com intenção de confundir, forçando o leitor a estabelecê-los e a ruminá-los por conta própria. Tudo isso era mais ou menos inédito. Acrescente-se o gesto cosmopolita da prosa e a inteligência superior das formulações, num país em que até hoje a inteligência não parece incluída entre as faculdades artísticas, e teremos elementos para imaginar que entre esse universo e a ficção anterior não há denominador comum.
Até as "Memórias Póstumas de Brás Cubas" -a obra da viravolta machadiana- o romance brasileiro era narrado por um compatriota digno de aplauso, a quem a beleza de nossas praias e florestas, a graça das mocinhas e dos costumes populares, sem esquecer os progressos estupendos do Rio de Janeiro, desatavam a fala. Além de artista, a pessoa que direta ou indiretamente gabava o país era um aliado na campanha cívica pela identidade e a cultura nacionais.
Já o narrador das "Memórias Póstumas" é de outro tipo: desprovido de credibilidade (uma vez que se apresenta na impossível condição de defunto), Brás Cubas é acintoso, parcial, intrometido, de uma inconstância absurda, dado a mistificações e insinuações indignas, capaz de baixezas contra as personagens e o leitor, além de ser notavelmente culto -uma espécie de padrão de elegância- e escrever a melhor prosa da praça. A disparidade interna é desconcertante, problemática em alto grau, compondo uma figura inadequada ao acordo nacional precedente.


A desenvoltura intelectual do narrador, em desproporção com o mundo acanhado de suas personagens, funciona como um meio de lhes compensar o isolamento histórico


Em princípio, a obrigação de respeitar o leitor, a verossimilhança, as continuidades de lugar e tempo, a coerência etc., está acima das fronteiras geográficas e de língua. A mesma coisa se aplica às transgressões à sensatez, em que se delicia o narrador machadiano, que também contracenam no espaço abstrato e supranacional das regras de convívio, onde estão em jogo as questões universais do homem civilizado (por oposição às brasileiras). Certa ou errada, contra ou a favor, essa foi a avaliação dos críticos da época, para os quais as piruetas literárias de Brás Cubas, que não se dá ao respeito, interessam a coordenadas entre metafísicas e cosmopolitas, desapegadas da matéria local, em que entretanto se apóiam. Segundo um adversário, Machado se refugiava em afetações filosofantes e formalistas, além de inglesas, para se furtar às lutas do escritor brasileiro. Outros, enjoados de pitoresco e província, e desejosos de civilização propriamente dita (i.e., européia e sem remorso do atraso à volta), saudavam nele o nosso primeiro escritor na acepção plena do termo.
Em síntese os argumentos seriam mais ou menos os seguintes. Ao mudar as regras do jogo na própria cara do leitor, para voltar a mudá-las em seguida, o narrador se compraz em brincadeiras dissolventes, de mau gosto, indignas de um brasileiro sério, as quais mal disfarçam a incapacidade intelectual e a falta de fôlego narrativo. Para o outro partido, as mesmas afrontas indicam o artista da forma, o espírito cético e civilizado, para quem o mundo se presta à dúvida e não se reduz à estreiteza nacional. Assim, simpatizantes e opositores eram de opinião de que Machado recuava da particularidade brasileira, seja por interrogar a condição humana, seja por se entregar "ao humorismo de almanaque, ao pessimismo de fancaria, que traz iludidos uns poucos de ingênuos que acham aquilo maravilhoso" (4). A idéia de que a matéria brasileira não comporta problemas universais, e vice-versa, era comum aos dois lados, refletindo a persistência das segregações coloniais. "A instabilidade a que me refiro provém de que na América falta à paisagem, à vida, ao horizonte, à arquitetura, a tudo que nos cerca, o fundo histórico, a perspectiva humana; e que na Europa nos falta a pátria, isto é, a fôrma em que cada um de nós foi vazado ao nascer. De um lado do mar sente-se a ausência do mundo; do outro, a ausência do país." (5)
Acontece que a dissonância entre a nota localista e o universalismo ostensivo era incômoda, mas não incaracterística. Para quem tivesse ouvidos, a estranheza mútua tanto compunha uma incongruência, como um acorde necessário e representativo, que formalizava, em ponto pequeno, alienações de proporção histórico-mundial. Machado percebeu a comédia e o impasse próprios a essa disparidade de timbres e, em vez de evitá-la, fez dela um elemento central de sua arte literária. Assim, o narrador versadíssimo, o humanista desdenhoso das tolices e inconseqüências em que se embala a nossa humanidade, íntimo aliás da Bíblia, de Homero, Luciano, Erasmo, Shakespeare, moralistas franceses, Pascal etc., é só metade do quadro, e paira menos do que pareceria. A outra metade surge quando o consideramos como personagem entre as demais, definida por características da malformação local, aquelas mesmas que as cabriolas narrativas e o correspondente clima de farsa metafísica fazem passar por alto, como detalhes irrelevantes. Ora, basta juntar as duas metades para que o caso mude de figura, quando então observaremos que na vida real (de ficção) o virtuose das fintas literário-filosóficas é um proprietário à brasileira, senhor de escravos, enfronhado em relações de clientela, adepto dos progressos europeus e sócio do condomínio pós-colonial de dominação.
A montagem é um tanto imprevista, mas transforma os termos que a integram, fazendo entrar em foco um tipo social notável, com repercussões de raio também notável e implantação histórica profunda. As infrações à eqüidade narrativa se redimensionam: através da personagem narradora, elas se assimilam a um conjunto "sui generis" de prerrogativas de proprietário, próprias ao quadro de classes nacional, bem diverso do terreno universalista da arte retórica e em discrepância com o padrão civilizado.
Do ângulo liberal e europeu, a cuja autoridade não havia como fugir, as prerrogativas eram insultantes. O que não as impedia de terem parte com a "douceur de vivre" legada pela Colônia e, do outro lado, de fazerem eco à nova sem-cerimônia cultivada pelo Imperialismo. A seu modo, criando um ritmo com regra própria, as desfeitas ao "fair play" literário metaforizam a mescla de regalia e ilegitimidade que o século 19 ligou à dominação pessoal direta. Inserida no campo das desigualdades internacionais, a força de cunhagem passava a ser assumida num pólo que até então não a havia exercido, um pólo periférico, que inverte as perspectivas e faz medir as medidas: a tradição literária do Ocidente é solicitada e deformada de modo a manifestar as delícias e as contorções morais, ou simplesmente as diferenças, ligadas a essa forma historicamente reprovada de dominação de classe, a qual lhe imprime, junto com a vitalidade, o selo contraventor. A flexibilidade com que a alta cultura se presta ao papel é um resultado crítico substancioso, que a faz ver a uma luz menos estimável, ou mais sarcástica. No mesmo passo, um tipo social que se diria exótico e remoto, antes um clichê de opereta do que um problema, é trazido à plenitude de seus efeitos no presente da cultura mundial, de que vem a ser um discreto pivô (6).
Noutros termos, as liberdades tomadas com a convenção formal representam, além da cabriola retórica, um setor mal iluminado da cena contemporânea. Elas estendem ao plano da cultura e dos pressupostos da civilidade oitocentista o poder incivil de que a propriedade brasileira gozava em relação a seus dependentes pobres ou escravos. O acento literário recai nos aspectos de irresponsabilidade e arbítrio, bem como nos meandros da conivência intra-elite, que é seu complemento. No caso há afinidade entre as licenças da imaginação e o mando que não presta contas, ou, paralelamente, entre as formas desrespeitadas e os dependentes destratados, armando um extraordinário jogo de espelhamentos. É como se Brás Cubas dissesse que a cultura e a civilidade, que preza e de que se considera parte, podiam funcionar à maneira dele e não o impediriam de dar curso a seus privilégios. Ou, ainda, como se demonstrasse, pelo escândalo e na prática, operando sobre o corpo consagrado da cultura universal, as conseqüências daqueles mesmos privilégios. Assim, longe de trocar um mundinho irrelevante (porém nosso) pela universalidade prestigiosa (mas falsificada) do ser-ou-não-ser das formas, Machado associava os dois planos, de modo a desbloquear, em espírito de exposição crítica, o universo seqüestrado que havia sido o seu ponto de partida. Um exemplo heterodoxo de universalização do particular e de particularização do universal, ou de dialética.
A desenvoltura intelectual do narrador, em desproporção com o mundo acanhado de suas personagens, funciona como um meio de lhes compensar o isolamento histórico. Por obra dela, situações com feição pitoresca ou meio colonial são entretecidas com anedotas da tradição clássica, argumentos de filosofia, dogmas religiosos, máximas da ordem burguesa, paradoxais ou cínicas, modas européias recentes, novidades científicas, notícias da corrida imperialista etc., compondo uma mistura e uma fala peculiares, que vieram a ser a marca registrada do autor. Sempre um pouco forçadas (mas a graça está aí), as aproximações operam o desconfinamento da matéria local. Trata-se de desprovincianização e universalização no sentido literal destes termos. O resultado, que é um acerto cabal, inclui a nota factícia e risível, pois a vizinhança do que a história apartou deixa a nu o descompasso dos âmbitos. Seja como for, assistimos à inserção do país no perímetro da humanidade moderna, inserção obtida a golpes de insolência narrativa, ora estridente, ora sutilíssima. Quanto a modelos, além da prosa digressiva setecentista, há outro mais próximo, nos borboleteios do "feuilleton" semanal francês, a cuja frivolidade parisiense Machado queria infundir "cor americana", ou seja, o veneno das relações de classe locais (7).
O passo abrupto -suponhamos- do Catumbi à metafísica, desta ao castigo de um escravo, daí ao cosmos, à Europa parlamentar, a uma negociata de guerra ou à origem dos tempos, deve-se aos repentes e aos recursos intelectuais de Brás Cubas. Apesar de grandes, os últimos são ambíguos em toda a linha, movidos a mesquinharia, exibicionismo e descaramento de classe. Assim, a incorporação do país ao mundo contemporâneo é levada a cabo por uma figura das mais duvidosas, que faz gato e sapato do crédito que o leitor lhe dá. Desmancha-se no ato a suposição entre desavisada e hipócrita de que os narradores sejam homens de bem, para não dizer próceres nacionais, ou, por extensão, de que os próceres nacionais e os próprios leitores sejam homens de bem por seu lado. Nessa constelação sardônica, o progresso e a vitória sobre o isolamento da Colônia adquirem uma inesperada cor perversa. Não deixam de existir, mas a sua serventia para a reprodução modernizada das iniqüidades coloniais, com as quais se mostram compatíveis, desautoriza o sentimento da superação. Não há como negar os avanços, mas eles constituem superações inglórias -dependendo do ponto de vista-, no campo das mais caras aspirações nacionais. A ousadia crítica e contra-ideológica deste anticlímax, deste localismo de segundo grau, que incorporava a degradação do cosmopolitismo, até hoje desconcerta. Em minha opinião, é ela que sustenta a altura dos grandes livros machadianos.

Roberto Schwarz é professor aposentado de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Ao Vencedor as Batatas" e "Um Mestre na Periferia do Capitalismo" (editora 34). Esta é a primeira parte de um ensaio publicado em "Il Romanzo", vol. 5, org. de Franco Moretti (Einaudi). A tradução brasileira de "Il Romanzo" está sendo preparada pela Editora Cosac & Naify.

Notas:
1. Antonio Candido, "Formação da Literatura Brasileira" (1959), São Paulo, Martins, 1969, vol. 2, pág. 117.
2. Jean-Paul Sartre, "L'Idiot de la Famille", Paris, Gallimard, 1972, vol. 3, pág. 147.
3. Machado de Assis, "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1880), "Obras Completas", Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, vol. 1, pág. 413.
4. Sílvio Romero, "Machado de Assis" (1897), Campinas, Unicamp, 1992, pág. 160.
5. Joaquim Nabuco, "Minha Formação" (1900), Rio de Janeiro, José Olympio, 1976, pág. 26. Para medir o impasse, veja-se como José Veríssimo, um crítico que insistia na grande superioridade de Machado, afirmava igualmente que este pouco tinha a ver com o Brasil. "A obra literária do sr. Machado de Assis não pode ser julgada segundo o critério que eu peço licença para chamar nacionalístico. Esse critério que é o princípio diretor da "História da Literatura Brasileira e de toda a obra crítica do sr. Sylvio Romero, consiste, reduzido a sua expressão mais simples, em indagar o modo por que um escritor contribuiu para a determinação do caráter nacional, ou, em outros termos, qual a medida do seu concurso na formação de uma literatura, que por uma porção de caracteres diferenciais se pudesse chamar conscientemente brasileira. Um tal critério, aplicado pelo citado crítico, e por outros, à obra do sr. Machado de Assis, certo daria a esta uma posição inferior em a nossa literatura." Mais tarde, Veríssimo mudaria o seu juízo: "Sem o parecer, foi ele [Machado] quem deu da alma brasileira a notação mais exata e profunda". "E a representou [à sociedade brasileira] com um talento de síntese e de generalidade que eleva a sua obra à categoria das grandes obras gerais e humanas." O esquema romântico e dialético, segundo o qual os autores são tanto mais universais quanto mais locais, integrava o Brasil à civilização. Com avaliação oposta e em plano superior, Veríssimo dava certa razão ao critério de Sylvio Romero. Para as citações, ver respectivamente JV, "Estudos Brasileiros, Segunda Série (1889 1893)", Rio de Janeiro, Laemmert, 1894, pág.198, e "Estudos de Literatura Brasileira, 6ª Série", Belo Horizonte, Itatiaia, 1977, pág. 106.
6. Para o alcance histórico e o impulso expansivo dessa ordem de desvios, ver uma observação de Marx sobre a guerra civil norte-americana. "Já nos anos entre 1856 e 1860, o que os porta-vozes políticos, os juristas, moralistas e teólogos do partido da escravidão buscavam provar não era tanto que a escravidão negra se justifica, mas sim que a cor no caso é indiferente, e que é a classe trabalhadora, em toda a parte, que é feita para a escravidão." Karl Marx, "A Guerra Civil nos Estados Unidos" (1861), "Marx Engels Werke", Berlim, Dietz, 1985, vol. 15, pág. 344. Agradeço a indicação a Luiz Felipe de Alencastro.
7. Num de seus primeiros trabalhos de crítica, Machado discutia a "aclimatação" do folhetim, uma "planta européia", ao país. "Escrever folhetim e ficar brasileiro na verdade é difícil. / Entretanto, como todas as dificuldades se aplanam, ele podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso a essas imitações, a esses arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa." Machado de Assis, "O Folhetinista" (1859), "Obra Completa", Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, vol. 3, págs. 968-9.


Texto Anterior: saiba +
Próximo Texto: + cinema: O hino ao amor e a zona obscura
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.