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LIVROS
Brasil mistura o masoquismo da senzala com a histeria da casa grande
Vanguarda pós-moderna
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Celebridade do marxismo ocidental, o inglês Perry Anderson
não escreveu "As Origens da
Pós-Modernidade" para nós, brasileiros; mas eu o li de olho no Brasil. Confesso que não consegui até
hoje entender que diabo é a tal
condição pós-moderna. Para mim
significava o que vem depois de alguma coisa. Não ia além desse nível primário. Zurrando.
Finalmente agora tive a compreensão conceitual da pós-modernidade como a ideologia hegemônica do capitalismo videofinanceiro que domina o planeta,
isto é, o "american circus", cuja
gênese está na década de 50 com o
advento da TV e sobretudo com a
invenção da TV a cores na década
de 70.
O livro de Anderson é uma exegese crítica da obra do marxista
Frederic Jameson, enfim o diálogo
do melhor marxismo anglo-saxônico, o qual acaba de desfazer a fama, aliás justificável, de que o
marxismo-leninismo é avesso à
reflexão sobre a imagem (a
pós-modernidade é uma gigantesca fábrica de imagens), como se
todo marxista fosse um saci-pererê de olho ruim e doente, posto
que obcecado com a letra, o livro,
o panfleto, o jornal etc.
Estilo de vida e de comportamento, além de coqueluche nos
departamentos universitários de
ciências humanas, o pós-modernismo traz o atestado de óbito do
marxismo, já que a aparelhagem
eletrônica e arquitetônica da contemporaneidade parece ter elidido
a mais-valia, cancelado a luta de
classes e boçalizado o proletariado.
Destarte, uma das vedetes do
pós-modernismo, "monsieur"
Lyotard, chega a defender a tese libidinocêntrica, por meio do "desejo chamado Marx", de que o
operário ejacula de prazer com a
exploração do capital, fora e dentro da fábrica. É, digamos assim, o
capital Tiazinha trazendo a volúpia da humilhação.
Eis, de acordo com Perry Anderson, as principais características
da ideologia pós-moderna: a ausência de distinção entre esquerda
e direita, a ciência como mero jogo
de linguagem, a informação contando mais do que a produção, a
desmaterialização do dinheiro, a
verdade confundida com desempenho, o relativismo cultural, o
pluralismo e ecletismo doutrinários, a submissão ao Deus mercado, as privatizações, a supremacia
do espaço sobre o tempo, o fim da
história e da memória, a simulação da economia, o novo-riquismo, a ubiquidade do espetáculo
pop, a simbiose entre cultura e comércio, a pornografia de massa e a
diminuição do afeto, a recusa das
causas e da gênese das coisas, a
impotência cívica do voto, o banco dominando a fábrica.
Citemos esta bela formulação de
Jameson: "A imagem é a mercadoria atual e é por isso que é inútil
esperar dela uma negação da lógica da produção de mercadorias; é
por isso, finalmente, que toda beleza hoje é meretriz".
Fico eu aqui a matutar o que diriam Anderson e Jameson se porventura conhecessem o raio de
ação holístico da telenovela brasileira, a cocaína dos pobres, o dispositivo por excelência do
pós-moderno entre nós. Com o
detalhe significativo de que a TV
não teve passado modernista: ela
nasce com a certidão pós-moderna. A TV nasce nos Estados Unidos. A TV a partir de 1970 torna-se
mais verdadeira do que a natureza.
Não adianta, porém, cultuar a
nostalgia pré-TV. Não adianta dar
murro em ponta de faca.
A crítica marxista à pós-modernidade padece da seguinte aporia:
a incapacidade de apresentar uma
alternativa política a essa situação
contemporânea. Em nosso caso,
há o agravante grotesco e trágico:
o Brasil ingressa na parafernália
do pós-modernismo sem ter no
entanto passado pela modernidade. Assim, de Collor a FHC ostentamos ao mundo a vanguarda
pós-moderna a cores e colorizada,
misturando o masoquismo da
senzala com a casa grande histérica, tendo como anjo da guarda o
capital volátil de mister Soros.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor
de ciências sociais na Universidade Federal de
Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros.
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