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CONEXÃO AMERICANA
"Gordon foi enviado para encorajar o golpe"
especial para a Folha
Charles Maechling Jr. foi diretor
do Departamento de Estado para a
Defesa Interna dos Estados Unidos e chefe do Grupo Especial de
Contra-Insurreição, órgão de nível ministerial na administração
do presidente norte-americano
John Kennedy.
Com acesso livre à Casa Branca,
Maechling era um dos consultores
mais requisitados pela Presidência.
Durante o governo Kennedy
(1961-1963) e Lyndon Johnson
(1963-1969), Maechling e o governo norte-americano estavam com
os olhos especialmente voltados
para o Brasil, país considerado estratégico e de grande risco.
Maechling e Bob Kennedy, um
anticomunista ferrenho, estavam
juntos na criação da OPS, que treinou membros da polícia brasileira.
Segundo ele, o treinamento de
policiais latino-americanos teve
efeitos negativos: "Modernizou a
polícia da América Latina e a tornou muito mais eficiente para servir a ditadores militares como
nunca acontecera antes".
Na entrevista a seguir, feita por
telefone do Canadá, onde passava
férias, Maechling afirmou ainda
que o embaixador Lincoln Gordon
"foi enviado ao Brasil para encorajar o golpe".
(MARCELO RUBENS PAIVA)
Folha - Por que foi criado o programa de treinamento de policiais
brasileiros patrocinado pela OPS?
Charles Maechling Jr. - Estamos
falando do tempo da Guerra Fria.
A idéia era reviver o antigo programa de assistência do AID (ou
Usaid, Agência para o Desenvolvimento Internacional), que teve
efeito por um longo tempo. A idéia
original, proposta por mim durante a administração Kennedy, e
depois Johnson, era baseada na
idéia de enviar policiais para outros países e criar conselheiros.
Folha - Quais países?
Maechling - Todos. Não muito
na Ásia, mas bastante na África e
nos países latino-americanos.
Queríamos ajudar no treinamento
de policiais. Foi um programa
muito grande. Bob Kennedy estava particularmente envolvido. Foi
dele a idéia do programa. Mas foi
um programa malsucedido, sem
pessoas com conhecimento de outras línguas.
Folha - Quem eram os instrutores?
Maechling - Você tem que entender que a polícia local dos Estados Unidos é descentralizada. Os
chefes de polícia têm programas
de aposentadoria precoce. Contrataram às pressas esses policiais e
especialistas técnicos para ensinar
controle de multidão, comando,
operação de rádios, carros, equipamentos eletrônicos etc. no intento de profissionalizar as polícias.
Folha - Havia membros da CIA?
Maechling - Foi um programa
aberto. Deve ter havido alguns
agentes da CIA conectados. O que
a CIA fez ou estava qualificada a
fazer, eu não sei. Sei que eles tinham treinamento de línguas.
Folha - Houve uma deturpação
no papel desse programa?
Maechling - O que sei é que o
efeito do programa, especialmente
na América do Sul e Central, o
equipamento, os rádios e os veículos foram usados com propósitos
políticos, como instrumento de
repressão.
Folha - Qual o papel do Departamento de Estado norte-americano
no movimento militar de 64?
Maechling - No Brasil, tínhamos um embaixador lá, Lincoln
Gordon, que estava bastante envolvido com o golpe militar que
depôs o presidente João Goulart.
Não sou exatamente da CIA, mas a
CIA se reportava a nós. As coisas
que sabemos vinham da CIA. Pode-se dizer que tínhamos os olhos
vendados.
Folha - A Casa Branca esteve envolvida com o movimento militar
de 64?
Maechling - Claro que esteve. O
golpe foi encorajado pelo nosso
embaixador Gordon. Bob Kennedy, como procurador-geral, estava envolvido -assim como a
maioria das pessoas- com a guerra nuclear, a China, os mísseis, e
houve negligência quanto à América Latina. Nixon foi quem mais
fez esforços para o envolvimento
dos EUA em golpes e foi quem encorajou o golpe do Chile.
Folha - Temos o testemunho de
um ex-agente do Dops que afirma
ter recebido um curso da CIA, no
Brasil, um mês antes do movimento militar. Isso era orientação da
Casa Branca?
Maechling - Eu não questiono
isso. O governo americano estava
envolvido, particularmente o embaixador Gordon. Normalmente,
nossos embaixadores não se envolvem nesse tipo de atividade.
Gordon foi escolhido por Lyndon
Johnson por suas habilidades políticas, e não diplomáticas. Gordon
sabe que a CIA estava no Brasil.
Folha - Qual era o envolvimento
da OPS com a CIA?
Maechling - A OPS não estava
envolvida com a CIA. Era parte da
AID. As pessoas que foram enviadas para a OPS tinham arquivos
pessoais oficiais. Havia uma conexão com a CIA. O primeiro chefe
da OPS, Byron Engle, foi da CIA.
Havia muitos agentes no programa que foram da CIA. Mas a CIA
tem seu próprio pessoal. Existia a
parte secreta, claro que existia,
mas não era tão grande.
Folha - Existia envolvimento da
OPS com a tortura?
Maechling - A polícia dos EUA
não pode ensinar nada de tortura
aos policiais da América Latina.
Bob Kennedy inaugurou a academia de polícia e fez discursos.
Eram cursos de seis semanas. Não
havia nada, no currículo, quanto à
tortura. Mas os efeitos dos cursos
não foram bons.
Folha - Por quê?
Maechling - Porque modernizou a polícia da América Latina e a
tornou muito mais eficiente para
servir a ditadores militares como
nunca antes.
Folha - Don Mitrione (controvertido agente norte-americano morto em 1971 pelos Tupamaros, organização de esquerda do Uruguai, sob a acusação de ensinar
métodos de tortura a policiais brasileiros e uruguaios) foi agente da
OPS?
Maechling - Não sei muito da
fase brasileira de Mitrione. Sei das
alegações contra ele no período em
que esteve no Uruguai. Ele era parte das relações públicas da OPS.
Mas não existem documentos sobre ele.
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