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PONTO DE FUGA
Vanishing point
JORGE COLI
especial para a Folha
Nas óperas-bufas do século 18 eram obrigatórias as "árias de catálogo". Os efeitos cômicos vinham da enumeração a partir de um tema: notícias de jornais, modos de compor um poema, defeitos femininos. Mozart fez a obra-prima do gênero, quando o criado Leporello arrola as mulheres seduzidas e as preferências eróticas de D. Giovanni. Mozart está muito presente na "opera-prop" de Peter Greenaway, "100 Objetos para Representar o Mundo", dada no Rio e em SP. Nela, a enumeração se alarga para um assunto ambicioso e para um espetáculo inteiro. Fascínio latente e discreto por uma barafunda de coisas e situações, por um acúmulo pouco tecnológico que vai sendo submetido ao rigor da sequência.
Entre os 100 objetos encontra-se o próprio catálogo, livro destinado a tudo inscrever e classificar. Encontra-se também a perspectiva, isto é, o sonho geométrico do Renascimento em ordenar a imagem do mundo, fazendo-a convergir para o ponto de fuga, impossível ponto de encontro. A poesia e o sentido dos "100 objetos" se inserem entre a ordem e o arbitrário: situa-se ali silenciosa intuição que corre do fogo ao gelo, passando pela natureza e pela cultura. É o interstício permeando objetos e série, impedindo a dominação de um pelo outro, equilíbrio da razão e da desordem. Afogar-se em números ou afogar-se nas coisas: salva-nos uma ingenuidade por trás da sofisticação, que escapa do delírio abstrato e da dissolvente entropia.
YAHOO - As grandes traduções são leituras inteligentes
dos originais, deslocando-os
para uma cultura e para um
tempo, mas respeitando uma
essência, que se torna enriquecida pelo enfoque discreto e
justo. Otávio Mendes Cajado se
encontra entre os nossos melhores tradutores: admiráveis,
seu "Pickwick", de Dickens, seu
Dumas, seu "O Morro dos Ventos Uivantes". A Biblioteca Folha publicou as "Viagens de
Gulliver", de Swift, estupenda
obra, muito conhecida em
adaptações, porém menos lida
no seu verdadeiro texto. Passando-a para o português, Cajado é exemplar nas perfeitas
equivalências e no estilo seguro.
XRATED - Luiz Pizarro, de
sobrenome predestinado, expõe na mostra "Moto Migratório" (Museu de Arte Contemporânea, parque Ibirapuera,
SP). Ele parte de gravuras que
ilustraram, no século 16, o
comportamento de selvagens
antropófagos, como as que vêm
em edições de Hans Staden.
Tomou também anúncios
"hard" que aparecem nas revistas de sexo, para associá-los
cuidadosamente às imagens.
São correspondências bem-humoradas e perturbadoras, porque delas emerge uma perversão erótica imprevista, trazendo, para a sexualidade de hoje,
disfarçados desejos de outrora.
WELTKARTE - Cristina
Barroso é, também, artista de
"Moto Migratório". Mapas, bilhetes de aviões ou de trens,
plantas de cidades são apropriados por impressões digitais
muito ampliadas, criando outros labirintos. Ou dialogam
com constelações, com números que se alinham misteriosamente, suscitando calmas reminiscências de viagens e trajetos.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@hotmail.com
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