São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ o trabalho de luto

Rede de pressões

Para estrategista de Washington, reação dos EUA será sobretudo diplomática, se estenderá por vários anos e exigirá a cooperação incondicional de seus aliados

por Edward Luttwak

Não foi um ato de guerra real: nada fez no sentido de debilitar os EUA, como o ataque a Pearl Harbor, que inutilizou boa parte da frota americana às vésperas de uma guerra naval. Foi, sim, uma enorme provocação que despertará os EUA e desencadeará ondas de reações que se estenderão pelos próximos anos.
A primeira reação, se é que se pode chamá-la assim, não passa de uma trivialidade: o ataque a alvos "terroristas" com mísseis Cruise e outras armas semelhantes que não impliquem riscos. De início, esses alvos não são objetivos importantes; além disso, é impossível atacá-los com mísseis Cruise ou bombardeios seguros. Quando se descobrirem os culpados diretos, se isso de fato ocorrer, só será possível atacá-los por meio de comandos e mísseis táticos lançados no local, como têm feito os israelenses.
A cúpula das Forças Armadas norte-americanas vem, há algum tempo, exercendo pressão burocrática no sentido de bloquear esse tipo de ação, porque não pode ser realizada sem o envio de soldados ao terreno e sem o consequente risco de baixas. Agora, depois da morte de tantos norte-americanos, é possível que o Estado-Maior renuncie à sua negativa de utilizar as forças de ataque para o combate.
Ainda assim, mesmo que os EUA sejam tão ativos no ataque aos terroristas como têm sido os israelenses, a reação mais importante não será militar, mas sim diplomática, no sentido mais duro da palavra. O Irã é um país com o qual muitos aliados-chave dos EUA mantêm relações diplomáticas e no qual investem grande somas. O Irã tem embaixadas na Europa, relações comerciais normais com seus países, e a Iran Air mantém vôos diários para a Europa e o Japão. Ao mesmo tempo, o Irã financia diretamente os terroristas do Hizbollah com seu orçamento nacional. Como é óbvio, os EUA não permitirão que seus aliados mais próximos mantenham essa tolerância em relação a governos como o do Irã, que financiam e apóiam o terrorismo de maneira declarada.
A Síria é outro país que entra nessa categoria: a sede central da Jihad Islâmica está localizada em Damasco, e todas as armas que chegam ao Hizbollah por via aérea passam por aeroportos sírios.
Na segunda categoria entram países como o Paquistão, que não financiam diretamente os terroristas, mas lhes oferecem livre movimentação em seu território: recrutam e treinam terroristas em seus próprios acampamentos e os enviam através da fronteira paquistanesa para atacar a Caxemira, enquanto a polícia e o Exército paquistaneses não fazem nada para detê-los, para não dizer algo pior. Na verdade, o governo paquistanês utiliza os terroristas como auxiliares.
Há uma terceira categoria de Estados que não patrocinam diretamente os terroristas, mas lhes permitem arrecadar fundos: a Arábia Saudita é o principal exemplo. Tem-se repetido à exaustão que Osama bin Laden é bilionário, dando a entender que pode financiar operações terroristas de grande escala com sua fortuna pessoal. Isso é falso. Bin Laden tinha milhões, não bilhões, e isso foi há muito tempo. A descontrolada rede de grupos terroristas associada a seu nome agora está sendo financiada por uma ativa campanha de arrecadação de fundos entre os fundamentalistas muçulmanos da Arábia Saudita e de outros pontos da península Arábica.
É verdade que os fundamentalistas islâmicos também arrecadam fundos no Texas, por exemplo, mas têm de fazê-lo em segredo, porque o FBI e a Agência Tributária (afirmam ser isentos de impostos!) fazem o possível para controlá-los. Na Arábia Saudita, ao contrário, não houve nenhuma tentativa séria para pôr fim à arrecadação de fundos por parte do Hamas, por exemplo, e o dinheiro não apenas custeia as lições de ódio mas também o salário de quadros terroristas em tempo integral, de homens que convencem os jovens a voarem em pedaços, e também garante o fornecimento de mão-de-obra para a rede terrorista mais complexa associada ao nome de Bin Laden.
Também será importante a reação interna dos EUA. Os aviões foram sequestrados em aeroportos norte-americanos, onde os passageiros são revistados com detectores de metais pelo assim chamado "pessoal de segurança", que são na verdade empregados de empresas privadas que ganham as licitações por oferecerem seus serviços a preços mais baixos que o dos concorrentes. Pagam o salário mínimo legal ou pouco mais e, portanto, contratam sobretudo imigrantes recém-chegados, muitos dos quais muçulmanos. Seus superiores recebem apenas um pouco mais e não estão qualificados para chefiar ou supervisionar uma operação de segurança séria.
Isso, claro, fazia sentido do ponto de vista econômico: normalmente, dia após dia, semana após semana, mês após mês, havia milhares de vôos e nenhum sequestro, muito menos ataques com aviões sequestrados. Sendo assim, parecia mais importante poupar dinheiro do que oferecer aquilo de que realmente se necessita: uma segurança aeroportuária de nível profissional. Isso era antes. De agora em diante será diferente. Em vez de ser confiada a quem ofereça o menor preço, a segurança nos aeroportos será feita por policiais treinados.

Aviões comerciais do Irã O mesmo ocorrerá com outros aspectos da segurança territorial, a começar pelo controle de fronteiras. Os pontos de entrada rodoviária através da fronteira com o Canadá, antes vigiados apenas com câmeras de vídeo com controle remoto, serão fechados ou dotados de inspetores humanos. Haverá mais inspetores nos aeroportos, para permitir um maior controle dos viajantes que entram no país. Ao mesmo tempo, dado que os terroristas na maioria dos casos transitam pela Europa, os EUA sem dúvida pedirão aos governos europeus que controlem de forma mais séria suas fronteiras e pontos de entrada. Hoje os aviões comerciais do Irã e de outros países que apóiam o terrorismo aterrissam lotados nos aeroportos europeus, onde uns poucos policiais carimbam apressadamente passaportes que dificilmente podem checar. Isso também acabará, pelo menos nos aeroportos de onde partem vôos para os EUA.
Esse é o estado de coisas. A reação dos EUA não se dará de repente, mas ao longo de vários anos e de diversas formas. Muitas vezes os EUA solicitarão -e esperarão- a ajuda e a cooperação de seus aliados. Se estes a negarem, para, por exemplo, proteger seus interesses comerciais, a resposta será dura.


Edward N. Luttwak é diretor do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington e autor, entre outros, de "Turbocapitalismo" (Nova Alexandria). Este texto foi originalmente publicado no "El País".

Tradução de Sergio Molina.


Texto Anterior: Alain Touraine: O recuo do islamismo político
Próximo Texto: Obra mais contundente do autor sai no Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.