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"Paulo e Virgínia", de Joel Rufino dos Santos, investiga a s razões do sucesso mundial de Paulo Coelho
Bricolagem esotérica
Gilberto Vasconcellos
especial para a Folha
Polígrafo, lidando com vários saberes, exibindo charme e estilo, o escritor carioca Joel Rufino dos Santos, que já foi um admiradíssimo
professor de história do Brasil num cursinho em São Paulo, escreve um triste e
engraçado metaquiproquó lítero-sociológico, valendo-se de expressivos recursos ficcionais, no qual aborda o significado nacional e internacional do badalado
Paulo Coelho, que está rindo à toa do seu
formidável sucesso não alcançado por
um Umberto Eco ou um Jô Soares.
Mas antes de fazê-lo, ou a isso justapondo, vai Rufino retratando a cultura
da década de 60 em diante, a parafernália
colonizada de estruturalismos e desconstrutivismos nos cursos universitários de letras, os "tarados textuais" que
fazem da alienação social e política em
relação ao país o passaporte do prestígio
e do status literário, tendo como mote
deslumbrante a frase : "Não há nada fora
do texto".
Igrejinhas Joel Rufino não poupa o
merecido sarrafo nos professores de letras empatotados em igrejinhas que ditam quem é quem na literatura, mas lamentavelmente não menciona os nomes
dos sobas e medalhões da crítica literária, para os quais Machado de Assis é o
irrepetível fodão, o único, o modelo, a
norma, o superego, a censura.
Assim, "literatura é o que as faculdades
de letras dizem que é literatura", assinala
Rufino ao denunciar o niilismo dos intelectuais brasileiros. Diagnóstico pesado.
Ele chega a ponto de dizer que a universidade está morta. O que há de melhor aí
são os corredores e os cafés. Chatice é
conversar sobre literatura com os chamados especialistas ou peritos em arte literária.
Tarimbado, saber de experiência feito, Rufino está por dentro do que está
falando: "Quem ama literatura não estuda literatura". Nas faculdades de letras o lance fundamental
de pensar o Brasil e seu
povo foi substituído pela
ideologia vulgar do meu pirão primeiro:
"A situação nacional está ruim porque
eu ganho mal. Boa universidade é a norte-americana (...)". Por isso e outras é
preciso perguntar: "De que é feito o gosto literário de um professor de letras?".
Como é a comida do espírito?
Dando nó em pingo d'água, Rufino
quer fazer interface entre a cretinice literária acadêmica e a literatura de massa,
movido por um procedimento de vaivém sobre o objeto de sua narrativa, o escritor "midcult" curtido na França universitária: o "monsieur" Pôlo Coelho. Esse nome vem associado a mago, esoterismo, ocultismo light, plágio, sagrado raitéqui, tropicália, contracultura, kitsch,
auto-ajuda, impostura, zen-budismo,
guitarra pentecostal, erros de português,
mensagem sem filosofia, enfim, "Paulo
Coelho: eis a Esfinge das Faculdades de
Letras". Aí pelo avesso estabelece-se uma
equivalência interessante porque a literatura culta está também submetida (e
fascinada) ao sistema de produção da
mercadoria e ao dinheiro.
O lance curioso é que Rufino, intelectual marxista que trocou Oliveira Vianna
por Nelson Werneck Sodré, não demoniza Paulo Coelho, antes prefere lançar
mão da tautologia irônica: "Por que os
professores de letras não oferecem cursos sobre best-sellers? Porque são professores de letras". Por sua vez, o infeliz alunato, pelo menos o de letras, que lê Paulo
Coelho é formado principalmente de mulheres,
classe média, suburbana,
frequentadora de shoppings, espectadora de telenovela, fã de shows musicais de massa e alérgica a
livraria. No Rio de Janeiro
é o público zona norte,
mas certamente em outros lugares será o
pessoal da zona sul.
Desde a década de 60 existe a voga em
torno de ocultismo, poder astral, vidência, astrologia, médium, adivinho, hierofante, bola de cristal, telepatia, intervenção do espírito, exorcismo, ectoplasmas,
bibliopatas e magias abracadabrantes.
Sabemos que Hitler e Roosevelt consultavam astrólogos.
O mais comum diante do desconhecido é achar que existe inteligência, alma
ou espírito sem cérebro; mas o que intriga no mediunismo literário de Paulo
Coelho e seu sucesso no mercado é que
ele é um autor brasileiro e não um anglo-saxônico do tipo Bill Gates da Bíblia.
Contando a história de uma transa de
um marxista com uma pirada, Rufino
quer compreendê-lo indo além do ocultismo contemporâneo como reação à
prosaica dessacralização weberiana que
rola na modernidade.
"Arcaísmo transnacional" Que troço é esse? Trata-se, repitamos, de um
autor brasileiro com público na maré do
capitalismo globalizado. Sobre isso Rufino refere-se a "arcaísmo transnacional".
Fazendo uso do manjado e batido binômio "arcaico-moderno", situando-o como epifenômeno da onipresença da indústria cultural na expansão ibérica da
modernidade tardia.
Assim o Brasil fornecerá esse produto
esotérico ao consumo do espetáculo
mundial; todavia o problema é que não
se conhece ainda o modo particular de
representação desse esoterismo, se é que
a propósito da literatura de massa de
Paulo Coelho seria pertinente recorrer
ao instinto de nacionalidade ou senão à
mímese do localismo, estando o Brasil
perto, longe ou alhures daqui. Afinal, literatura de massa sem tempero nacional
é que nem cozinha internacional ou iê-iê-iê planetário de nenhum lugar, mas
convém não esquecer que nos "canais
competentes" da literatura, sucursais repercutoras das vedetes estrangeiras, é
bastante apreciada a façanha de alcançar
projeção mundial -seja ou não pela via
midiática dos pardais da internet.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de
ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de
Fora (MG) e autor de, entre outros, "Glauber Pátria
Rocha Livre" (ed. Senac).
Paulo e Virgínia
158 págs., preço não definido
de Joel Rufino dos Santos. Ed.
Rocco (r. Rodrigo Silva, 26, 5º
andar, CEP 20011-040, RJ, tel.
0/xx/21/ 507-2000).
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