São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

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"Paulo e Virgínia", de Joel Rufino dos Santos, investiga a s razões do sucesso mundial de Paulo Coelho

Bricolagem esotérica

Gilberto Vasconcellos
especial para a Folha

Polígrafo, lidando com vários saberes, exibindo charme e estilo, o escritor carioca Joel Rufino dos Santos, que já foi um admiradíssimo professor de história do Brasil num cursinho em São Paulo, escreve um triste e engraçado metaquiproquó lítero-sociológico, valendo-se de expressivos recursos ficcionais, no qual aborda o significado nacional e internacional do badalado Paulo Coelho, que está rindo à toa do seu formidável sucesso não alcançado por um Umberto Eco ou um Jô Soares.
Mas antes de fazê-lo, ou a isso justapondo, vai Rufino retratando a cultura da década de 60 em diante, a parafernália colonizada de estruturalismos e desconstrutivismos nos cursos universitários de letras, os "tarados textuais" que fazem da alienação social e política em relação ao país o passaporte do prestígio e do status literário, tendo como mote deslumbrante a frase : "Não há nada fora do texto".

Igrejinhas Joel Rufino não poupa o merecido sarrafo nos professores de letras empatotados em igrejinhas que ditam quem é quem na literatura, mas lamentavelmente não menciona os nomes dos sobas e medalhões da crítica literária, para os quais Machado de Assis é o irrepetível fodão, o único, o modelo, a norma, o superego, a censura.
Assim, "literatura é o que as faculdades de letras dizem que é literatura", assinala Rufino ao denunciar o niilismo dos intelectuais brasileiros. Diagnóstico pesado. Ele chega a ponto de dizer que a universidade está morta. O que há de melhor aí são os corredores e os cafés. Chatice é conversar sobre literatura com os chamados especialistas ou peritos em arte literária.
Tarimbado, saber de experiência feito, Rufino está por dentro do que está falando: "Quem ama literatura não estuda literatura". Nas faculdades de letras o lance fundamental de pensar o Brasil e seu povo foi substituído pela ideologia vulgar do meu pirão primeiro: "A situação nacional está ruim porque eu ganho mal. Boa universidade é a norte-americana (...)". Por isso e outras é preciso perguntar: "De que é feito o gosto literário de um professor de letras?". Como é a comida do espírito?
Dando nó em pingo d'água, Rufino quer fazer interface entre a cretinice literária acadêmica e a literatura de massa, movido por um procedimento de vaivém sobre o objeto de sua narrativa, o escritor "midcult" curtido na França universitária: o "monsieur" Pôlo Coelho. Esse nome vem associado a mago, esoterismo, ocultismo light, plágio, sagrado raitéqui, tropicália, contracultura, kitsch, auto-ajuda, impostura, zen-budismo, guitarra pentecostal, erros de português, mensagem sem filosofia, enfim, "Paulo Coelho: eis a Esfinge das Faculdades de Letras". Aí pelo avesso estabelece-se uma equivalência interessante porque a literatura culta está também submetida (e fascinada) ao sistema de produção da mercadoria e ao dinheiro.
O lance curioso é que Rufino, intelectual marxista que trocou Oliveira Vianna por Nelson Werneck Sodré, não demoniza Paulo Coelho, antes prefere lançar mão da tautologia irônica: "Por que os professores de letras não oferecem cursos sobre best-sellers? Porque são professores de letras". Por sua vez, o infeliz alunato, pelo menos o de letras, que lê Paulo Coelho é formado principalmente de mulheres, classe média, suburbana, frequentadora de shoppings, espectadora de telenovela, fã de shows musicais de massa e alérgica a livraria. No Rio de Janeiro é o público zona norte, mas certamente em outros lugares será o pessoal da zona sul.
Desde a década de 60 existe a voga em torno de ocultismo, poder astral, vidência, astrologia, médium, adivinho, hierofante, bola de cristal, telepatia, intervenção do espírito, exorcismo, ectoplasmas, bibliopatas e magias abracadabrantes. Sabemos que Hitler e Roosevelt consultavam astrólogos.
O mais comum diante do desconhecido é achar que existe inteligência, alma ou espírito sem cérebro; mas o que intriga no mediunismo literário de Paulo Coelho e seu sucesso no mercado é que ele é um autor brasileiro e não um anglo-saxônico do tipo Bill Gates da Bíblia. Contando a história de uma transa de um marxista com uma pirada, Rufino quer compreendê-lo indo além do ocultismo contemporâneo como reação à prosaica dessacralização weberiana que rola na modernidade.

"Arcaísmo transnacional" Que troço é esse? Trata-se, repitamos, de um autor brasileiro com público na maré do capitalismo globalizado. Sobre isso Rufino refere-se a "arcaísmo transnacional". Fazendo uso do manjado e batido binômio "arcaico-moderno", situando-o como epifenômeno da onipresença da indústria cultural na expansão ibérica da modernidade tardia.
Assim o Brasil fornecerá esse produto esotérico ao consumo do espetáculo mundial; todavia o problema é que não se conhece ainda o modo particular de representação desse esoterismo, se é que a propósito da literatura de massa de Paulo Coelho seria pertinente recorrer ao instinto de nacionalidade ou senão à mímese do localismo, estando o Brasil perto, longe ou alhures daqui. Afinal, literatura de massa sem tempero nacional é que nem cozinha internacional ou iê-iê-iê planetário de nenhum lugar, mas convém não esquecer que nos "canais competentes" da literatura, sucursais repercutoras das vedetes estrangeiras, é bastante apreciada a façanha de alcançar projeção mundial -seja ou não pela via midiática dos pardais da internet.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de, entre outros, "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed. Senac).



Paulo e Virgínia
158 págs., preço não definido
de Joel Rufino dos Santos. Ed. Rocco (r. Rodrigo Silva, 26, 5º andar, CEP 20011-040, RJ, tel. 0/xx/21/ 507-2000).



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