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Crise induzida pelo governo tem por objetivo proceder à violência institucional
Nostalgia do silêncio
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS
especial para a Folha
Às vésperas da votação da emenda constitucional sobre canalizações de gás, pelos idos de 1995, autoridades governamentais anunciaram não haver alternativa e que
da aprovação da emenda dependiam a saúde da moeda e, no médio prazo, o emprego e o crescimento econômico do país. Era falso. Agora, entre os dias 12 e 15 de
janeiro, praticamente as mesmas
autoridades repetiram palavra a
palavra o que disseram há quatro
anos, acrescentando um capítulo
sobre juros, para justificar o terremoto financeiro promovido pelos
templários da equipe econômica.
É quase toda a verdade. No intervalo, aplicou-se bem-sucedida estratégia de terrorismo econômico,
gerando raro exemplo de profecia
que se autocumpre: hoje, sob a
atual liderança, o país é escravo do
que lhe ditam os credores.
Por cerca de cinco anos os carcereiros da República mantiveram-na sob sítio psicológico, infligindo exacerbada tortura emocional na população, a pretexto de
iminente desordem econômico-financeira e veloz retorno da inflação, a menos que o Congresso se
curvasse aos caprichos dos pedantes da competência.
Em nome desta, e do repetido
engodo de ausência de opções, sequestraram-se todas as alternativas de política econômica, alienou-se quase todo o patrimônio
público nacional e propagou-se a
mais sistemática e desmoralizante
ofensiva contra a cultura cívica do
país. Por muito menos, em qualquer democracia robusta, gabinetes teriam caído, presidentes impedidos e alguns ministros já estariam provavelmente encarcerados. Aqui, usufruem do privilégio
tirânico de arbitrar a intensidade
do suplício a que a nação será submetida.
Depois de 15 emendas constitucionais aprovadas sob chantagem
político-emocional, centenas de
medidas provisórias e altiva parvoíce, em que consiste a profecia
autocumprida? Na real ausência
de alternativa à desvalorização
abrupta da moeda e na efetiva subordinação das decisões nacionais
à arbitragem internacional, difundidas como imperativos da globalização, exatamente por conta da
mesma promessa de redução de
juros, controle da inflação e retomada, em breve, do crescimento
econômico. Seria patético, não
fosse atentatório aos bons costumes.
A política fundamentalista instaurou-se e vem implementando
radical mecanismo de decadência
auto-sustentada, caracterizada
por crescentes dívida e desemprego, a anemia da atividade econômica. Em justos dois dias, 13 e 14
de janeiro, a dívida externa do país
aumentou em 18%, passando de
aproximadamente US$ 230 bilhões a US$ 272 bilhões, enquanto
a dívida mobiliária interna cresceu
de US$ 66 bilhões para US$ 78 bilhões. A perspectiva é de substancial recessão econômica, em 1999,
além de escalada nos índices de
desemprego e intensificação de todas as catástrofes que vêm ocorrendo há dois anos, indiferentes
aos desmentidos oficiais, endossados pela mídia.
Não obstante, ao longo da madrugada do dia 13 e todo o dia e a
noite de 14 de janeiro (quarta e
quinta-feira), organizou-se o mais
inacreditável desfile de imposturas nas principais emissoras de televisão, sucedendo-se contorcionista após contorcionista, a demonstrar a racionalidade e impecável técnica do que ocorrera com
a política cambial nas precedentes
48 horas -que importam as anteriores declarações em contrário de
porta-vozes, altos funcionários,
ministros e até mesmo do presidente da República? Quem se dá
conta de que um funcionário subalterno, de alto escalão, mas subalterno, interrompeu duas vezes
o descanso do senhor presidente,
durante a semana, e convocou-o
ao Palácio? O presidente foi.
Achando pouco, os participantes do desfile de economistas foram unânimes, como sempre são
na antevéspera de serem contrariados pelos fatos, em apresentar o
inteligentíssimo diagnóstico de
que a origem da turbulência mundial (que, de fato, resumiu-se a
mudanças de posição entre especuladores) encontra-se na sensata
e tempestiva declaração do governador Itamar Franco de que o Estado de Minas Gerais não conseguirá honrar os termos da negociação de suas dívidas. Não importa que isso seja verdade em relação
a Minas e à maioria dos demais Estados, agora, e também em relação
aos poucos adimplentes, em breve. Segundo os magos televisivos,
se ninguém mencionasse o assunto não haveria o problema.
Pior que o diagnóstico, o prognóstico. Tudo ficará bem se o
Congresso aprovar novo aumento
de impostos, tendo por base os
funcionários públicos, ativos e
inativos. Isto feito, as Bolsas de
Frankfurt e de Tóquio se acalmarão. Serão, por acaso, insanos, os
nossos economistas? -Não, são
ávidos de riquezas, poder e inimigos jurados de democracia. Há um
problema genético na formação
econômica que a inclina, siderada,
e ao contrário dos juristas, ao autoritarismo. Basta acompanhar o
desprezo com que se referem às
instituições representativas e se
perceberá o fenômeno.
Para a maioria de nossos atuais
ou virtuais membros de qualquer
equipe econômica, mercados e
Banco Central independente são
variáveis suficientes para explicar
a saúde econômica e política dos
países de Primeiro Mundo. Claro,
os períodos de desastre que vez
por outra enfrentam são sempre
consequência da intromissão da
política nos mercados. Não se dão
conta, ao reverso, da brutal interferência na vida política do país
que patrocinaram em nome de
desvairado fundamentalismo.
O governo obteve espetacular
sucesso em sua trajetória de encurralar o país. Do Congresso, hoje, obterá tudo. Se não for obstado
pelos governadores, continuará
em sua marcha para a completa
centralização econômica, além de
reduzir drasticamente a concorrência política mediante reformas
partidárias e eleitorais, em tramitação, com o apoio suicida da classe política.
Fique claro, essa crise longamente induzida pelo governo tem
por objetivo proceder a uma violência institucional, obedecendo
formalisticamente aos requisitos
da lei. Chamem do que quiserem,
de paranóia, catastrofismo ou irresponsabilidade (está na moda),
mas está em andamento um golpe
de Estado não-Fujimoriano, que
produzirá contudo efeitos similares, com a lamentável complacência da grande imprensa. Talvez desejem, imprensa e acadêmicos
subservientes, outros 20 anos de
silêncio.
Wanderley Guilherme dos Santos é cientista
político, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e autor de
"Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática" (Rocco) e "Ordem Burguesa e Liberalismo
Político" (Duas Cidades), entre outros.
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