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Paranóia assassinada
WASHINGTON OLIVETTO
especial para a Folha
Ao contrário do seu personagem, Dimitri Borja Korosek, atirador desastrado, especialista em tiro pela culatra, Jô Soares acertou
na mosca com seu romance "O
Homem Que Matou Getúlio Vargas". Sem medo de utilizar o melhor dos seus muitos talentos, o de
grande criador de humor, Jô Soares escreveu um livro que provoca
o riso ou no mínimo o sorriso em
todas as suas 344 páginas e, ainda
atirando no que viu e acertando
também no que não viu, deixa
pronto um brilhante argumento
cinematográfico: um misto de
"Forrest Gump" com "Um Convidado Bem Trapalhão", que resulta num macunaíma bósnio-carioca que, se filmado, certamente
provocará deliciosas gargalhadas
em todo o público.
A idéia central de biografar um
personagem de ficção que convive
com fatos da realidade está muito
bem embasada em uma sólida
pesquisa, numa bibliografia que
envolveu mais de 50 títulos diferentes. A narrativa é fluente, e a
capacidade inventiva do autor na
criação de situações, nomes de entidades, lugares e pessoas convive
com a história real com naturalidade e deixa claro o fato inconteste de que em qualquer época, cidade ou país, na maioria das vezes a
história real consegue ser mais ficcional e "nonsense" do que a
própria ficção.
Desfilam pelo livro personagens
inventados, como o anão Motilah
Bakash e o criminoso homossexual francês Henry Maturin, ao lado de personagens de verdade e
díspares, como Mata Hari, Plínio
Salgado, Al Capone, Adolf Hitler,
Victor Fleming, Graciliano Ramos, Pablo Picasso, Felinto Müller e Gregório Fortunato. Fatos hilários, como o do exército que vai
para guerra de táxi por falta de
comboios ou o dos fugitivos que
trocam uma penitenciária de segurança máxima por uma aldeia
de leprosos, mesclam-se com
acontecimentos verdadeiros, como os discursos inflamados de
Carlos Lacerda, as apresentações
da orquestra de Carlos Machado
no Cassino da Urca ou a descrição
do requintado cardápio do Orient
Express.
Até mesmo uma pitada de erotismo está presente no romance
-nas descrições dos devaneios da
viúva Maria Eugênia Pequeno
apaixonada por Dimitri e seus
dois dedos indicadores a mais, um
em cada mão. Tudo dentro de um
projeto gráfico bem planejado pelo próprio Jô Soares e por Hélio de
Almeida, que empresta credibilidade ao inverossímil e em que se
destacam particularmente os mapas criados por Sírio B. Cançado.
Com apenas dez dedos nas mãos
(dois a menos que o seu personagem), digitando no computador a
história que a sua cabeça ágil, bem
informada e trabalhadora produziu, Jô Soares consegue com "O
Homem Que Matou Getúlio Vargas" assassinar num tiro só uma
paranóia que é da maioria dos escritores e que certamente foi dele
também. A idéia de que é muito
difícil fazer um segundo bom romance logo depois de um primeiro bem-sucedido.
A OBRA
O Homem Que Matou Getúlio Vargas - Jô Soares. Companhia das Letras (r. Bandeira Paulista, 702, conjunto 72, CEP
04532-002, SP, tel.
011/866-0801). 344 págs. R$
25,00.
Washington Olivetto é presidente e diretor de
criação da agência de publicidade W/Brasil.
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