São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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TV apresentou uma nova heroína

Na virada dos anos 70 para os 80, série "Malu Mulher" mostrou a vida após a separação

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando, em "Malu Mulher", a personagem de Regina Duarte finalmente se divorcia de Pedro Henrique, um longo caminho em direção à liberalização dos costumes relacionados à vida familiar já havia sido percorrido pela teledramaturgia brasileira.
O casamento sempre esteve, e ainda está, no centro da matriz melodramática que alimenta a telenovela e a maioria dos formatos de dramaturgia na TV brasileira. Mas, a partir dos anos 70, as fraturas por que passou o modelo familiar, baseado na união heterossexual, monogâmica e indissolúvel, começou a aparecer nas obras de ficção feitas para a TV.
Segundo Esther Hamburger, "os folhetins eletrônicos conferiram enorme visibilidade pública à discussão de certos temas anteriormente tratados somente no âmbito privado".
Consideradas como produtos femininos por excelência, as telenovelas passaram a tematizar os novos costumes em torno da vivência da sexualidade, da autonomia pessoal e profissional femininas, além das possibilidades alternativas de constituição de famílias, todos fenômenos de alguma forma interligados e relacionados ao divórcio.
Se a lei do divórcio regularizou comportamentos que já estavam em circulação pela sociedade, a teledramaturgia, de certa maneira, também se antecipou à lei e passou a representar esses mesmos comportamentos, mesmo mantendo a centralidade do amor heterossexual como o requisito para o final feliz.
Muito antes de aprovada a lei do divórcio, em "Verão Vermelho" (1970), a primeira novela do horário das 22h da Globo, a trama central trazia um casal infeliz (Dina Sfat e Jardel Filho), que acaba por se desquitar. Inaugurado com essa novela de Dias Gomes, o horário das 22h acabaria por se fixar como o espaço de experimentação, tanto da linguagem como dos conteúdos.
É nele que surge o primeiro nu feminino -de Sonia Braga em "Gabriela", em 1975-, numa personagem que vibra com uma sexualidade livre e que vive, com Nacib (Armando Bogus), uma relação amorosa, a princípio, completamente alheia ao casamento.
A dissociação entre sexo e casamento, na verdade, em muitos casos acontece com a antecipação das relações sexuais aos sacramentos da igreja: é assim já desde "Irmãos Coragem" (Janete Clair, 1970), novela na qual dois dos personagens centrais também vivem uma segunda união depois de separados.
Em "Estúpido Cupido" (1976), novela de Mario Prata ambientada nos anos 60, entra em discussão o uso da pílula anticoncepcional por jovens que querem iniciar a vida sexual.

Vida independente
Mas em "Escalada" (Lauro César Muniz, 1975), as dificuldades enfrentadas pelo par romântico Tarcísio Meira e Renée de Vielmond, ambos infelizes em seus primeiros casamentos, contribuíram para que a discussão sobre a lei do divórcio ganhasse uma maior visibilidade.
"Malu Mulher", entretanto, enfeixou todos esses temas criando a primeira heroína que opta pela separação como forma de recuperar sua identidade e reconstruir a vida de forma independente. Ao contrário de suas predecessoras, que se separam justificadas por um marido que se revela vilão ou porque já têm um outro amor em perspectiva, Malu rompe seu casamento sem pensar em uma nova união.
A trajetória da personagem será a de "começar de novo", título da canção-tema composta para a série, sem as restrições do casamento, mas enfrentando uma autonomia para a qual não está exatamente preparada.
Além da separação e do divórcio, a série tocaria em outros temas relacionados aos novos costumes -como machismo, violência doméstica, prazer feminino- de forma muito menos velada do que até então.
Exibida na virada dos 70 para os 80, "Malu" se tornaria uma espécie de símbolo da mulher brasileira -profissional, liberada e divorciada.


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