São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2000

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Millôr

Olimpíadas, olimpiadas, tudo bem. Mas já tem 15 dias que eu não durmo por causa desses luxemburgos a baixa altitude
1) Quando isto estiver sendo publicado, dada a antecedência com que antecedo, as Olimpíadas já serão um retrato na parede, mas, que fazer? Se não toco no assunto dirão que sou um alienado e, como estou mais pra alienista, toco. Sou dos que acordam às 3 da manhã pra ver as meninas jogando futebol (ainda não me convenceram de que futebol pode ser feminino) ou vou dormir depois das cinco pra ver o time feminino de basquete (já me convenceram de que esse é esporte feminino, sobretudo quando a Janeth faz aquela cesta genial) Do outro lado da quadra: a bola saiu das mãos de Janeth último segundo do jogo e caiu na cesta quando a partida já estava cronometricamente terminada. Valeu! - em todos os sentidos.

2) Olimpíadas: mais alto, mais forte, mais longe, mais rápido, mais gaita.

3) Li maravilhas sobre a Abertura dos Jogos Olímpicos. Devo ter visto outra abertura. Bem, original foi - abriu uma competição que tinha começado 24 horas antes. Mas, mais; a) qualquer comissão de frente do Joãozinho Trinta dá de dez a zero naqueles matutos fantasiados de lenhadores. b) o movimento de massa faria Hitler rir mais do que ria dos desfiles de Mussolini e seus bersaglieri voadores. c) a tentativa de alguns quadros estéticos fica apenas ridícula depois que se criou o Cirque de Soleil. d) toda grandiloqüência espetacular tem que contar com a lei de Murphy (*). Se alguma coisa pode dar errado, dá. Sobretudo quando grandiosa. Foi assim no final da encenação, quando a base da gigantesca tocha olímpica devia fundir com a bacia de chamas. A coisa enguiçou durante bem um minuto, deixando a atleta ali em baixo, sem saber o que fazer, possivelmente apavorada com que o trambolho lhe caísse em cima. (*) Murphy, gênio que a filosofia empírica inventou no século XX. Tenho a honra de ser seu colaborador - traduzi os três livros que publicou no Brasil.

4) Dizem que, pra não cair no lugar-comum, não se usou o Canguru como símbolo das Olimpíadas. Eu, que gosto tanto de canguru quanto de lugar-comum, fiquei decepcionado. Embora já esteja acostumado com equívocos a respeito do bicharoco. Segundo a lenda, um marinheiro do Capitão Cook, explorador da Austrália, ao ver aquele estranho animal dando saltos de até dois metros de altura, perguntou a um nativo como se chamava o dito. O nativo respondeu, em guugu yimidhirr, língua local, Gan-guruu, “Não Sei”. E o animal passou a ser chamado, ora pois, de “Não Sei”. Até o Aurélio, nossa pequena bíblia, engoliu essa . Desconfiado que sou dessas “origens”, pesquisei em alguns dicionários etimológicos. A etimologia precisa só encontrei, como quase sempre, em Partridge, o maior etimologista de nosso tempo: “Kangaroo; wallaby (variação de canguru). As palavras kanga e walla, significando saltar ou pular, são acompanhadas pelos sufixos roo e by , significando quadrúpedes”. Portanto Kangaroo e Wallaby seriam quadrúpedes puladores e quadrúpedes saltadores. Por aí. Quando comuniquei a descoberta a Paulo Rónai, notável filólogo, e grande amigo e colaborador de Aurélio Buarque de Holanda, Paulo gostou de saber da origem “real” do nome canguru. Mas acrescentou: “Que pena. A outra versão é muito mais bonitinha. Também acho.

5) Ainda sem sair do tema: me contam que, visitando Camberra, militar cubano ficou entusiasmado pelos bumerangues. Depois de vê-los sendo atirados longe e voltando ao ponto de partida em curvas elegantes, ele contratou um especialista, e durante seis meses treinou as técnicas de arremeter e recuperar a curiosa peça de caça. Satisfeito com o resultado obtido, comprou uma dezena de bumerangues, na esperança de introduzir o bastâo em Cuba, como arma de defesa (na hipótese sempre possível de uma nova Baía dos Porcos). Assim que chegou à ilha, o militar reuniu atiradores competentes, convidou o Chefe Supremo e, emocionado, iniciou a experiência. O resultado foi absolutamente surpreendente. Todos os bumerangues, atirados com absoluta precisão, fizeram a curva no local previsto mas, em vez de tornarem ao ponto de partida, se dirigiram velozmente pra Miami.

6) Mas há quem diga que o canguru foi uma tentativa da biotecnologia australiana fazer um pedestre absolutamente seguro.

7) Mas, mudando de assunto: no Brasil a Constituição afirma que todos são iguais perante a lei. Todas as constituições dizem isso. Mas a brasileira logo se desdiz, pois afirma que um criminoso possuidor de curso superior tem direito a prisão especial. Explicando melhor; se um cidadão com curso superior assassinar sua amante, tem o direito de ficar enjaulado junto com um vereador tão corrupto que até foi preso, e um estudante tão neurótico que liquidou várias pessoas num cinema. Os três doutores, protegidos pela legislação, dividem uma cela de 3X3, ou seja 9m2. Respondam, como se eu não soubesse: quantos analfabetos cabem nesse mesmo espaço?



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