São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um viajante incansável

Já consagrado como autor de "Os Indiferentes" e "O Conformista", escritor chega ao Brasil enviado pelo "Corriere della Sera"

ADRIANA MARCOLINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A visita de Alberto Moravia ao Brasil, em 1960, faz parte de uma longa série de viagens do autor como enviado especial da imprensa italiana.
Em agosto de 1930, um convite para trabalhar no jornal "La Stampa", na época sob a direção do escritor Curzio Malaparte, introduz o jovem escritor no mundo do jornalismo. Para driblar o regime fascista, que o perseguia, Alberto Pincherle, que tinha então apenas 23 anos, resolveu adotar o pseudônimo com o qual ficou mundialmente conhecido.
Com uma nova identidade e cansado de respirar a atmosfera pesada do fascismo, Moravia foi enviado naquele mesmo ano para a Inglaterra, de onde escreveu seus primeiros relatos de viagem, publicados entre 1930 e 1932.
Tem início, assim, uma larga trajetória que o leva a visitar países geograficamente próximos à Itália, como a Grécia e a antiga Tchecoslováquia, ou com alguma afinidade cultural como a Espanha e a França, mas também distantes como os Estados Unidos e a China.
Ele percorre exaustivamente o Oriente Médio, a Ásia, a África e a América Latina. Moravia dizia-se fascinado pelo Terceiro Mundo e nutria uma particular atração pela África, continente por ele definido como "a coisa mais bela que existe no mundo".
Durante nada menos que 60 anos dedicou-se à literatura de viagem. Seus últimos textos são sobre a Irlanda, onde esteve em julho e agosto de 1990, pouco antes de morrer, em setembro daquele ano.
Os artigos que o Mais! publica nesta edição são excertos dos relatos sobre o Brasil reunidos no livro "Opere - Viaggi, Articoli, 1930-1990" [Obras -Viagens, Artigos, ed. Bompiani, 33,57, R$ 101].
Foram publicados no jornal "Corriere della Sera", de Milão, com o qual o escritor estabeleceu uma profícua colaboração, que se prolongou por 42 anos.
Provavelmente, o principal motivo que trouxe o autor ao Brasil tenha sido a inauguração de Brasília, em abril de 1960. Passados somente 15 anos do fim da Segunda Guerra, a nova capital carregava um forte simbolismo, com sua aura de modernidade e futuro, atraindo a atenção dos europeus sedentos de esperança.
A leitura dos artigos revela um sentido arguto de observação e o predomínio de textos límpidos e diretos -que era, aliás, o estilo de Moravia. O autor conheceu o sucesso em 1929, quando conquistou a crítica e os leitores com o romance "Os Indiferentes", cuja publicação foi custeada pelo próprio autor, graças a um empréstimo de seu pai. O mais pessimista e amargo de seus romances mostra a dissolução moral, a frieza e a indiferença no seio de uma família da burguesia italiana durante os primeiros anos do fascismo, apontando para o cinismo como a única regra no interior da sociedade.
Foram cinco edições em poucos meses, um êxito comercial para a época. A obra é um marco na literatura do "novecento", ampliando os horizontes da narrativa italiana. O escritor aprofunda sua linguagem e estilo neste livro, utilizando uma construção sintática objetiva e um vocabulário seco e sem rodeios, que seriam a tônica de sua obra.
Moravia também publicou muitos romances, como "A Desobediência", "A Romana", "O Conformista" e "1934", entre outros. Escreveu ainda livros de contos, ensaios e peças teatrais. Várias de suas obras foram adaptadas para o cinema. Era admirador do estilo teatral de Dostoiévski, de quem foi leitor assíduo na adolescência, e dizia que seu ideal literário era fundir a técnica teatral com a da narrativa.
Foi agraciado em 1952 com o prêmio literário Strega, um dos mais prestigiosos da Itália.


ADRIANA MARCOLINI é autora da dissertação de mestrado em literatura italiana na USP "O Brasil nos Relatos de Jornalistas Italianos".

ONDE ENCOMENDAR - Livros em italiano podem ser encomendados na Livraria Italiana (tel. 0/xx/11/ 3259-8915).


Texto Anterior: Brasília Barroca
Próximo Texto: Salvador de ouro e fé: Cronista vê capital baiana dividida entre a inocência da "praia" e a riqueza e decadência da "cidade"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.