São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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"- O senhor me julga injustamente, senhor Bigum -respondeu Edele levantando-se; Bigum também se levantou. -Eu não me rio. O senhor me pergunta se há alguma esperança e eu lhe respondo: não, não há esperança. Nisso não há absolutamente nada de risível. Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa. Desde o primeiro momento em que o senhor começou a pensar em mim, devia saber qual seria a minha resposta, e o senhor a sabia, não é verdade? O senhor a sabia todo o tempo; mas, apesar disso, dirigiu todos os seus pensamentos e desejos para um alvo que sabia nunca poder atingir. Seu amor não me ofende, senhor Bigum, mas eu o lamento. O senhor fez o que muitos outros fazem. Fecham os olhos à realidade, não querem ouvir o não que ela opõe aos nossos desejos; esquecem o abismo profundo que os separa do seu objeto. Desejam realizar os seus sonhos. Mas a vida não toma em consideração os sonhos; não há um só obstáculo real que eles possam superar, e o homem afinal acorda gemendo no fundo do abismo, que não mudou, é o mesmo de sempre. Mas nós é que mudamos, pois os sonhos excitaram a imaginação, exasperaram nossos desejos até o último limite. Nem por isso o abismo se tornou menor, e tudo em nós anseia doloridamente para transpô-lo e atingir o outro lado. Mas não, sempre não; não muda jamais. Era só termo-nos resguardado a tempo... mas agora é tarde, fizemos a nossa infelicidade."

Trecho extraído de "Niels Lyhne", de Jens Peter Jacobsen


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