São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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Comentários discutíveis

Carlos Eugênio Marcondes de Moura
especial para a Folha

A respeito da resenha do historiador João José Reis sobre o livro de minha autoria, "A Travessia da Calunga Grande - Três Séculos de Imagens sobre o Negro no Brasil" (publicada no Mais! de 11/2), tenho alguns reparos a fazer.
1. Afirma o resenhista que "A Travessia da Calunga Grande" cataloga 507 imagens do Brasil escravocrata. Na verdade foram catalogadas 2.593 imagens, as quais constam da publicação, e entre elas apenas 507 foram reproduzidas.
2. O resenhista lamenta a exclusão da única alusão iconográfica conhecida sobre o quilombo de Palmares, que ilustra a "História dos Feitos" (1647), de Barleus. A reprodução da imagem "excluída" encontra-se na pág. 269 e tem por título "Praefectura Pernambucae pars Borealis una cum Praefectura de Itâmarâcá". Os cartuchos que se encontram na imagem são de autoria de Frans Post, e não apenas a ele atribuídos.
3. O resenhista manifesta sua surpresa com a reprodução de "... um ex-voto que encena índios canibais dilacerando corpos negros". Não se trata de um ex-voto, que é, conforme sabemos, algo pintado ou entalhado como pagamento de uma promessa. É um desenho aquarelado, que acompanha o requerimento do vigário de S. Miguel de Piracicaba, na Capitania de Minas Gerais, relativo a "... danos e mortes causados por botocudos", conforme está muito bem explicitado no texto que acompanha a imagem (pág. 309). O que se vê na imagem não são apenas corpos negros dilacerados, mas também corpos brancos (três negros, três brancos, tudo bem equitativo...).
Quanto ao fato de serem os índios "canibais", isto já é uma inferência do autor da resenha, aliás etnocêntrica, pois em nenhuma passagem do requerimento do vigário essa circunstância é mencionada.
4. Chama atenção o resenhista, em um box, que o livro precisa de revisões. Acertou em dois reparos, errou nos demais. De fato, na introdução, há dois erros de referência, de minha exclusiva responsabilidade. As ilustrações sobre o entrudo, que o resenhista menciona, e que imagina deslocadas, na verdade não existem enquanto tal. Ele confunde a numeração do catálogo (358, 471 e 472), em que são levantadas imagens relativas a esse tema, com o número sequencial das imagens reproduzidas.
É uma distinção para um autor ter sua produção resenhada num suplemento de tão alto nível quanto o Mais!, é acabrunhante ser penalizado por comentários tão equivocados.


Carlos Eugênio Marcondes de Moura é doutor em sociologia pela USP e autor de, entre outros, "Vida Cotidiana em São Paulo no Século 19" (Imprensa Oficial e Ateliê Editorial) e "A Travessia da Calunga Grande" (Edusp).


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