São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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MILLÔR

Saiba - marmanjos são anjos pescadores

1) Língua franca
A ortografia, modo de se registrar a língua - há línguas ágrafas, não escritas - é coisa indevidamente prezada pelos meus estimados mestres de "português", do Dia/JB/Globo,etc. Ortografia é apenas um registro, naturalmente subsidiário, da verdadeira língua, a falada. No Brasil, com três reformas nos últimos cinqüenta anos, nenhuma delas orgânica, e sempre atreladas a um inexplicável acordo com Portugal (por que não obedecer também a certas formas portuguesas de Guiné-Bissau?), a ortografia é um desastre. Quase ninguém sabe escrever (ortograficamente falando). Fizeram uma reforma dita fonética que, em certos casos, obedece aos mais arqueológicos ditames etimológicos. Durante anos ridicularizamos os famosos "sinais diacríticos diferenciais", com que éramos obrigados a acentuar a palavra toda (tôda), porque em Portugal havia um pássaro chamado toda (tóda), e acentuar medo (mêdo) porque, quando estávamos apavorados, poderiam pensar que estávamos nos referindo a um medo (médo), dos Medos e Persas, lembram deles?. Haja frescura! E aí acabaram com tudo isso, depois que, durante anos, milhares e milhares de meninos levaram pau em "português".

As regras, impostas como atos da natureza, nos obrigam, ainda hoje, a escrever A poetisa poetiza depois das três reformas ortográficas "revolucionárias". Na verdade sempre conservadoras no pior sentido, já que os donos da língua (quem decidiu isso?) são os 38 velhinhos da Academia de Letras (há sempre dois mortos em rodízio, esperando substituição) do Brasil, e 38 velhinhos da Academia de Letras de Portugal (lá também há sempre dois mortos em rodízio, imortal morre muito).
A única reforma ortográfica realmente revolucionária que conheço (conheço muito pouco de tudo) é o Quick Writing, de Bernard Shaw, proposta de reforma total da escrita inglesa (onde hoje se escreve ghotic e se lê fish) com quarenta símbolos. Mas isso é outra istória.

Ah,bem!:
Escrevi todo esse nariz de cera e ia esquecendo porquê. É que o romancista Moacyr Scliar me citou dizendo que escrevi uma peça A HISTÓRIA É UMA ESTORIA. Não escrevi, caro Scliar. Escrevi uma peça chamada A HISTÓRIA É UMA ISTÓRIA. Toda uma diferença.
Escrevo istória e não estória porque acho estória duplamente falsa. Imitando a língua inglesa (nada contra, língua se faz assim; e assado) onde há diferença entre history (acontecimento histórico) e story (conto ou anedota), o simpático jornal Diário Carioca (desaparecido) inventou o termo estória, para diferenciar os dois sentidos da palavra original, história. Mas não vejo vantagem em substituir um h inicial (mudo), por um e que se pronuncia i. Parece coisa de viado (que se escrever veado).

PS. Acho que os pós-moderninhos, que resolveram dividir em duas a palavra Historia botando estória em lugar de história para distinguir história de história, nunca tinham ouvido falar em palavras homófona, homógrafas, ou homófonos-homógrafas. Porque não modificam a palavra pena? Noutro dia passei num cinema e estava lá: "OS CRIMINOSOS NÃO MERECEMPENA". E fiquei sem saber se ninguém se condóia dos criminosos, se não tinham direito a um cocar, se não valiam nem uma sentença, ou se não lhe davam instrumento pra escrever uma carta. Valham-me, acadêmicos.

2) Parada pra pensar
Esses cientistas maravilhosos mapeam o genoma, identificam os genes, seviciam as moléculas. Me babo de admiração. Mas, que conclusões mais apressadas, meu Deus!

3) Técnica
Eu, cá por mim, descobri um meio novo de assistir novela. Abro o meu Maias (Ediouro-697pgs, bixo!), ligo a tevê - vejo a filmagem e leio o livro ao mesmo tempo, conferindo onde está melhor e onde está pior. Multitask é isso aí, camarada.

4) Derivados
O barão de Coubertin, criador dos jogos olímpicos modernos, tornou célebre a frase: "O importante não é vencer. É competir. "O pessoal não entendeu bem (ou entendeu, sei lá) e está apenas competindo pra ver quem usa mais anabolizantes.

5) Privacidade
E, como diz o Arthur Dapieve: "Homossexualismo é questão de furo íntimo".

6) Anglofilia
Estou com esse pessoal que defende nossa língua, e não abro! Se nos deixarmos dominar pelo inglês acabaremos submetidos à globalização. Não poderemos mais ter um SyncMaster em cada mesa, um Toyota em cada garage, e um Rock-in-Rio toda semana.

7) Mais lingüística
Mérito é como eles chamam o osso que dão ao cachorro obediente.
(Eu hoje tô que tô).

Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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