São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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Romance de um enigma

Obra tem como pano de fundo um dos mais célebres problemas matemáticos

Newton da Costa
especial para a Folha

A conjetura de Goldbach é uma das mais célebres da matemática. Foi formulada por C. Goldbach (1690-1764) em uma carta ao grande matemático L. Euler (1707-1783), carta essa datada de 1742. A conjetura refere-se aos números naturais 0, 1, 2, 3... Diz-se que um número natural é primo se ele for divisível somente por si mesmo e pela unidade; por exemplo, 2, 3, 5, 13 etc. Como se sabe, um número natural é par se for divisível por 2.
A conjetura de Goldbach formula-se assim: todo número natural par é a soma de dois primos. Por exemplo, 4 = 2 + 2, 16 = 5 + 11 etc. Até hoje não se demonstrou a conjetura nem se encontrou um caso em que fosse falsa.
Aliás, a matemática dos números naturais, também chamada de aritmética superior, tem sido fonte inesgotável de problemas que não se consegue resolver.
O livro de Doxiadis pode ser caracterizado como constituindo um romance muito interessante, possuindo como pano de fundo a conjetura de Goldbach. A história trata da vida e da obra do suposto matemático grego Petros Papachristos, relatada por seu sobrinho, que também chegou a estudar matemática, embora acabasse se afastando da mesma. Não obstante fictício, o enredo envolve, claramente, aspectos da vida do autor. Para o sobrinho, a trajetória do tio era algo misteriosa. De fato, a família considerava Petros como um velho estranho, que havia destruído a própria vida profissional devido a decisões erradas e absurdas.
Na realidade, Petros foi matemático precoce, de grande projeção, chegando a ser o correspondente a professor titular em uma notável universidade alemã, a Universidade de Munique.
Petros obtivera, em sua tese de doutorado, um método de solução de equações diferenciais verdadeiramente notável, o qual era inclusive significativo do prisma aplicado. Todavia, de modo abrupto, acabou abandonando tudo e retirando-se para sua pequena cidade natal, no interior da Grécia, como se fosse um eremita.


Não fazia praticamente mais nada; concentrava-se unicamente na terrível conjetura, que resistia a seus esforços como aos de diversos outros matemáticos


Viciado na conjetura Qual o mistério de Petros, que chegou a trabalhar em colaboração G.H. Hardy (1877-1947) e J.E. Littlewood (1885-1977), conheceu o incrível R. Ramanujan (1887-1920) e discutiu muito com A.M. Turing (1912-1954), quando este era ainda bem jovem?
A surpreendente história de Petros pode ser resumida assim: após um começo altamente promissor, ele veio a se dedicar à solução do problema de Goldbach. Tornou-se um viciado na conjetura, como ocorre com os viciados em drogas ou em computadores. Não fazia praticamente mais nada, não publicava, não se dedicava aos alunos como deveria etc.; concentrava-se unicamente na terrível conjetura, que resistia a seus esforços como aos de diversos outros matemáticos. Na base de sua atitude estava a suposição de que qualquer suposição matemática, e em particular a aritmética, é verdadeira ou é falsa e que, na primeira hipótese, possui demonstração; na segunda, poder-se-ia demonstrar a sua negação.
O acontecimento que mudou a existência de Petros foi ter ele conhecido, na Inglaterra, o jovem Turing. Este lhe relatou as então recentes pesquisas de K. Gödel (1906-1978), realizadas por volta de 1930, as quais evidenciaram que, sob certas condições razoáveis, há proposições aritméticas tais que nem elas nem suas negações podem ser demonstradas. Isso abalou profundamente a crença básica de Petros, acima referida. Foi um choque sem volta, pois a conjetura de Goldbach poderia ser uma proposição que, mesmo verdadeira, carecesse de demonstração.
Em síntese, o teorema de incompletude de Gödel esfacelou a carreira científica de Petros. Aliás, este visitou Gödel em Viena, para compreender integralmente o alcance dos resultados do genial lógico.
Obviamente o livro afigura-se muito mais rico do que o sumário precedente. Deixa-se de lado, por exemplo, a visão desagradável despertada no sobrinho de Petros por certos membros do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Princeton (Gödel, em pleno verão, usava pesado sobretudo e se comportava de maneira singular).
Convém insistir no fato de que o autor poderia, sem sacrificar a índole da obra, ter sido mais preciso e rigoroso em diversas passagens. Em particular, a formulação do teorema de incompletude de Gödel é um tanto enganosa, e determinadas partes da história, quando há referências a personagens reais, como D. Hilbert (1862-1943), não são acuradas. Mas o livro é um romance e não almeja, patentemente, exatidão matemática e histórica. Por isso tais detalhes podem não ser criticáveis. O romance de Doxiadis se transformou em best seller em numerosos países, incluindo-se os de língua inglesa. Seguramente, tornar-se-á também um best seller entre nós.


Tio Petros e a Conjetura de Goldbach
168 págs., preço não-definido
de Apostulos Doxiadis. Trad. de Cristiane Gomes Riba. Editora 34 (rua Hungria, 592, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/ 210-6382).



Newton C.A. da Costa é professor no departamento de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e professor de fundamentos da computação e lógica da Unip (Universidade Paulista), autor, entre outros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial).



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