São Paulo, domingo, 25 de março de 2001 |
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+ livros Romance de um enigma
Obra tem como pano de fundo um dos mais célebres problemas matemáticos
A conjetura de Goldbach é uma
das mais célebres da matemática. Foi formulada por C. Goldbach (1690-1764) em uma carta
ao grande matemático L. Euler (1707-1783), carta essa datada de 1742. A conjetura refere-se aos números naturais 0, 1,
2, 3... Diz-se que um número natural é
primo se ele for divisível somente por si
mesmo e pela unidade; por exemplo, 2,
3, 5, 13 etc. Como se sabe, um número
natural é par se for divisível por 2.
Viciado na conjetura Qual o mistério de Petros, que chegou a trabalhar em colaboração G.H. Hardy (1877-1947) e J.E. Littlewood (1885-1977), conheceu o incrível R. Ramanujan (1887-1920) e discutiu muito com A.M. Turing (1912-1954), quando este era ainda bem jovem? A surpreendente história de Petros pode ser resumida assim: após um começo altamente promissor, ele veio a se dedicar à solução do problema de Goldbach. Tornou-se um viciado na conjetura, como ocorre com os viciados em drogas ou em computadores. Não fazia praticamente mais nada, não publicava, não se dedicava aos alunos como deveria etc.; concentrava-se unicamente na terrível conjetura, que resistia a seus esforços como aos de diversos outros matemáticos. Na base de sua atitude estava a suposição de que qualquer suposição matemática, e em particular a aritmética, é verdadeira ou é falsa e que, na primeira hipótese, possui demonstração; na segunda, poder-se-ia demonstrar a sua negação. O acontecimento que mudou a existência de Petros foi ter ele conhecido, na Inglaterra, o jovem Turing. Este lhe relatou as então recentes pesquisas de K. Gödel (1906-1978), realizadas por volta de 1930, as quais evidenciaram que, sob certas condições razoáveis, há proposições aritméticas tais que nem elas nem suas negações podem ser demonstradas. Isso abalou profundamente a crença básica de Petros, acima referida. Foi um choque sem volta, pois a conjetura de Goldbach poderia ser uma proposição que, mesmo verdadeira, carecesse de demonstração. Em síntese, o teorema de incompletude de Gödel esfacelou a carreira científica de Petros. Aliás, este visitou Gödel em Viena, para compreender integralmente o alcance dos resultados do genial lógico. Obviamente o livro afigura-se muito mais rico do que o sumário precedente. Deixa-se de lado, por exemplo, a visão desagradável despertada no sobrinho de Petros por certos membros do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Princeton (Gödel, em pleno verão, usava pesado sobretudo e se comportava de maneira singular). Convém insistir no fato de que o autor poderia, sem sacrificar a índole da obra, ter sido mais preciso e rigoroso em diversas passagens. Em particular, a formulação do teorema de incompletude de Gödel é um tanto enganosa, e determinadas partes da história, quando há referências a personagens reais, como D. Hilbert (1862-1943), não são acuradas. Mas o livro é um romance e não almeja, patentemente, exatidão matemática e histórica. Por isso tais detalhes podem não ser criticáveis. O romance de Doxiadis se transformou em best seller em numerosos países, incluindo-se os de língua inglesa. Seguramente, tornar-se-á também um best seller entre nós. Tio Petros e a Conjetura de Goldbach 168 págs., preço não-definido de Apostulos Doxiadis. Trad. de Cristiane Gomes Riba. Editora 34 (rua Hungria, 592, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/ 210-6382). Newton C.A. da Costa é professor no departamento de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e professor de fundamentos da computação e lógica da Unip (Universidade Paulista), autor, entre outros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial). Texto Anterior: Francisco de Oliveira: O caráter da periferia especial Próximo Texto: + sociedade - Carlos Alberto Faraco: Guerras em torno da língua Índice |
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