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"Hermano" Lobato
Intercâmbio do autor do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" com a Argentina se deve não apenas a razões comerciais, mas também políticas, diz pesquisadora
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE
BUENOS AIRES
A estudiosa Thaís de
Mattos Albieri é autora da tese de doutorado "São Paulo-Buenos Aires - A
Trajetória de Monteiro Lobato
na Argentina" (Universidade
Estadual de Campinas, 2009),
um exaustivo trabalho de pesquisa sobre as relações literárias do escritor brasileiro com
o país vizinho. Leia, a seguir,
trechos da entrevista que concedeu à Folha.
FOLHA - O livro "A Nova Argentina" foi ou não uma encomenda?
THAÍS DE MATTOS ALBIERI - Acredito que tenha sido, por duas razões: a primeira é que o Lobato
já era muito reconhecido, já tinha um caminho bastante trilhado na Argentina e de bastante sucesso e, portanto, não precisaria usar o pseudônimo de
Miguel P. García para justificar
o livro, se não fosse uma encomenda para falar bem do governo de Perón. É daí que vem a
segunda hipótese: Lobato sabia
que este livro poderia gerar
muita polêmica no Brasil, como de fato gerou.
Uma polêmica em torno da
afiliação dele com o peronismo
e o regime populista argentino.
O que, por sua vez, não combinava muito com Lobato, porque ele tinha combatido Vargas, e os dois governos eram
bastante parecidos. Acho que
esta é mais uma possibilidade
de o livro ter sido uma encomenda. São muitos os mistérios que o rondam.
Hoje, na Argentina, não existe mais nenhum exemplar, por
exemplo. Só consegui encontrá-lo no Brasil, na Biblioteca
Infanto-Juvenil Monteiro Lobato, em São Paulo. E, mesmo
assim, era uma cópia. Acredito
que o original tenha definitivamente se perdido. A minha hipótese é que tenha sido recolhido e queimado.
FOLHA - De onde partiram as principais críticas ao escritor?
ALBIERI - Alguns jornalistas o
criticaram. Na biografia de Lobato escrita por Edgar Cavalheiro nos anos 1950, ele cita
nomes, mas sem mencionar a
fonte. Para nós, pesquisadores,
isto é um problema.
FOLHA - Qual foi o papel de Monteiro Lobato na aproximação literária entre o Brasil e a Argentina?
ALBIERI - Ele foi muito importante para isso. Publicava autores argentinos no Brasil e sua
obra era publicada na Argentina. Contou com alguns apoios
cruciais em Buenos Aires, que o
ajudaram nesse trabalho.
Manuel Gálvez, um autor
com uma trajetória muito parecida com a do escritor brasileiro, foi um dos três intelectuais que o ajudaram. Vários livros dele foram publicados por
Lobato no Brasil. O tradutor
Benjamin de Garay e o uruguaio estabelecido na Argentina Horacio Quiroga foram os
outros dois. Este último contribuiu muito para a inserção de
Lobato na imprensa portenha.
FOLHA - Ele tinha tino comercial?
ALBIERI - Acho que era um bom
comerciante, sim. Teve algumas ideias boas para a popularização do livro, da literatura, e
da relação entre a literatura e a
imprensa. Na minha opinião,
enxergava o livro como um objeto qualquer que, portanto, deve ser oferecido para o mercado
como alguma coisa vendável.
Ele investiu muito na parte gráfica do livro: ilustração, quarta
capa, capa.
Também fazia propaganda
dos livros dele nos próprios volumes que eram publicados por
sua editora, inserindo uma página final com os títulos dos
próximos lançamentos na "Revista do Brasil". Perceber isso,
em 1920, foi uma inovação e
tanto para o mercado livreiro
da época, que no Brasil ainda
era incipiente.
FOLHA - Lobato admirava a Argentina?
ALBIERI - Ele tinha apreço pelo
país. Isso ocorria por razões comerciais, porque enxergava o
potencial que havia ali para a
publicação dos seus livros, e
por motivos políticos.
Quando foi para a Argentina,
não tinha mais muito espaço no
Brasil para manifestar suas
ideias, e tendo até mesmo sido
preso em 1941.
Então surgiu a ideia de ir para a Argentina, onde já tinha
um público fiel desde o final
dos anos 1930, começo dos
1940. Quando declarou "vou lá
comer bifes", era uma maneira
jocosa de justificar a sua escolha. Na verdade, a ida dele para
lá foi uma maneira de driblar o
silenciamento sobre a sua produção no Brasil.
FOLHA - As obras infantis de Lobato são conhecidas nos outros países
hispânicos da América do Sul?
ALBIERI - Sim, fazem parte do
acervo de boa parte das bibliotecas nacionais desses países.
No Chile, ele foi publicado localmente; os outros países devem ter adquirido as edições
argentinas. Fiz uma pesquisa e
descobri que há livros dele nas
bibliotecas nacionais de Colômbia, Peru, Chile, Uruguai
(onde até existiu uma livraria
com o seu nome) e Argentina
-onde encontrei versões de
suas obras infantis para o braile, na Biblioteca para Cegos.
(AM)
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