São Paulo, domingo, 25 de abril de 2010

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"Hermano" Lobato

Intercâmbio do autor do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" com a Argentina se deve não apenas a razões comerciais, mas também políticas, diz pesquisadora

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BUENOS AIRES

A estudiosa Thaís de Mattos Albieri é autora da tese de doutorado "São Paulo-Buenos Aires - A Trajetória de Monteiro Lobato na Argentina" (Universidade Estadual de Campinas, 2009), um exaustivo trabalho de pesquisa sobre as relações literárias do escritor brasileiro com o país vizinho. Leia, a seguir, trechos da entrevista que concedeu à Folha.

 

FOLHA - O livro "A Nova Argentina" foi ou não uma encomenda?
THAÍS DE MATTOS ALBIERI -
Acredito que tenha sido, por duas razões: a primeira é que o Lobato já era muito reconhecido, já tinha um caminho bastante trilhado na Argentina e de bastante sucesso e, portanto, não precisaria usar o pseudônimo de Miguel P. García para justificar o livro, se não fosse uma encomenda para falar bem do governo de Perón. É daí que vem a segunda hipótese: Lobato sabia que este livro poderia gerar muita polêmica no Brasil, como de fato gerou. Uma polêmica em torno da afiliação dele com o peronismo e o regime populista argentino. O que, por sua vez, não combinava muito com Lobato, porque ele tinha combatido Vargas, e os dois governos eram bastante parecidos. Acho que esta é mais uma possibilidade de o livro ter sido uma encomenda. São muitos os mistérios que o rondam. Hoje, na Argentina, não existe mais nenhum exemplar, por exemplo. Só consegui encontrá-lo no Brasil, na Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato, em São Paulo. E, mesmo assim, era uma cópia. Acredito que o original tenha definitivamente se perdido. A minha hipótese é que tenha sido recolhido e queimado.

FOLHA - De onde partiram as principais críticas ao escritor?
ALBIERI -
Alguns jornalistas o criticaram. Na biografia de Lobato escrita por Edgar Cavalheiro nos anos 1950, ele cita nomes, mas sem mencionar a fonte. Para nós, pesquisadores, isto é um problema.

FOLHA - Qual foi o papel de Monteiro Lobato na aproximação literária entre o Brasil e a Argentina?
ALBIERI -
Ele foi muito importante para isso. Publicava autores argentinos no Brasil e sua obra era publicada na Argentina. Contou com alguns apoios cruciais em Buenos Aires, que o ajudaram nesse trabalho. Manuel Gálvez, um autor com uma trajetória muito parecida com a do escritor brasileiro, foi um dos três intelectuais que o ajudaram. Vários livros dele foram publicados por Lobato no Brasil. O tradutor Benjamin de Garay e o uruguaio estabelecido na Argentina Horacio Quiroga foram os outros dois. Este último contribuiu muito para a inserção de Lobato na imprensa portenha.

FOLHA - Ele tinha tino comercial?
ALBIERI -
Acho que era um bom comerciante, sim. Teve algumas ideias boas para a popularização do livro, da literatura, e da relação entre a literatura e a imprensa. Na minha opinião, enxergava o livro como um objeto qualquer que, portanto, deve ser oferecido para o mercado como alguma coisa vendável. Ele investiu muito na parte gráfica do livro: ilustração, quarta capa, capa.
Também fazia propaganda dos livros dele nos próprios volumes que eram publicados por sua editora, inserindo uma página final com os títulos dos próximos lançamentos na "Revista do Brasil". Perceber isso, em 1920, foi uma inovação e tanto para o mercado livreiro da época, que no Brasil ainda era incipiente.

FOLHA - Lobato admirava a Argentina?
ALBIERI -
Ele tinha apreço pelo país. Isso ocorria por razões comerciais, porque enxergava o potencial que havia ali para a publicação dos seus livros, e por motivos políticos. Quando foi para a Argentina, não tinha mais muito espaço no Brasil para manifestar suas ideias, e tendo até mesmo sido preso em 1941. Então surgiu a ideia de ir para a Argentina, onde já tinha um público fiel desde o final dos anos 1930, começo dos 1940. Quando declarou "vou lá comer bifes", era uma maneira jocosa de justificar a sua escolha. Na verdade, a ida dele para lá foi uma maneira de driblar o silenciamento sobre a sua produção no Brasil.

FOLHA - As obras infantis de Lobato são conhecidas nos outros países hispânicos da América do Sul?
ALBIERI -
Sim, fazem parte do acervo de boa parte das bibliotecas nacionais desses países. No Chile, ele foi publicado localmente; os outros países devem ter adquirido as edições argentinas. Fiz uma pesquisa e descobri que há livros dele nas bibliotecas nacionais de Colômbia, Peru, Chile, Uruguai (onde até existiu uma livraria com o seu nome) e Argentina -onde encontrei versões de suas obras infantis para o braile, na Biblioteca para Cegos. (AM)


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