São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
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Descoberta foi no século 19

HELIO SCHWARTSMAN
especial para a Folha

A localização exata de Tróia foi durante séculos um mistério. Quem a achou foi o alemão Heinrich Schliemann (1822-1890), homem de negócios, aventureiro, fundador da moderna arqueologia grega e uma das figuras mais controversas de sua época.
Em meados do século 19 a arqueologia engatinhava. Ir a campo soava quase como injúria para os acadêmicos, que travavam debates bizantinos sobre se Tróia existiu ou não e se houve de fato uma guerra ali. Uns poucos historiadores e arqueólogos, como Ernst Curtius (1814-1896) e Alexander Conze (1831-1914), escavavam em busca da cidade, mas escavavam no lugar errado, no povoado de Bunabarschi, a cerca de 15 km do que mais tarde foi reconhecido como local da Tróia homérica. É aí que intervém Schliemann.
Schliemann conta que tomou ao pé da letra as indicações da "Ilíada" e concluiu que a cidadela de Príamo só podia ficar na elevação de Hissarlik. Em 1871, uma nova expedição, e, em 1873, mais uma, na qual ele finalmente encontra, no local em que previra, as muralhas e o tesouro do rei Príamo, que ele contrabandeia para fora do Império Otomano.
Novas escavações de Schliemann, junto com Wilhelm Dörpfeld, revelaram nove estratos (camadas de assentamentos humanos) no local. O primeiro, Tróia 1, muito mais antigo que a Tróia homérica, remonta à Idade do Bronze, cerca de 3.000 anos a.C. A cidade descrita na "Ilíada" corresponde aos estratos 6 e 7 (1900 a 1100 a.C.). Os estratos 8 e 9 são, respectivamente, os das colônias grega (700 a.C. até 85 a.C.) e latina, mais conhecida como Novo Ílion (85 a.C. até 324 d.C., quando a cidade entrou em declínio.
Hoje aceita-se que a Guerra de Tróia realmente ocorreu, na primeira quadra do séc. 12 a.C. Teria sido ocasionada por uma disputa comercial entre aqueus (gregos) e troianos (frígios dos Bálcãs, aparentados aos gregos), que terminou com a vitória dos primeiros. Schliemann admite que, em suas escavações, acabou destruindo importante material arqueológico. Seus críticos dizem que o que ele destruiu era inestimável, além de acusá-lo de falsear dados para que se adequassem melhor a suas teses e de roubar material de sítios pertencentes a outros.
Em termos de método, a inovação de Schliemann, além de ir a campo e levar a sério fontes antigas como Homero, foi dar mais atenção à estratigrafia, a análise das camadas arqueológicas em um sítio. Além disso, em seus artigos para o "The Times" e "The Daily Telegraph", ele popularizou a arqueologia. As pessoas acompanhavam suas aventuras com o mesmo entusiasmo com que se acompanha uma novela hoje. (HELIO SCHWARTSMAN)




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