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LIVROS
Estudo lançado nos EUA reúne biografia e crítica de poetas de Nova York nos anos 50
Projetos de uma vanguarda
LUIZA FRANCO MOREIRA
especial para a Folha
Um grupo de poetas de vanguarda na Nova York dos anos 50
ocupa o centro deste livro, "The
Last Avant-Garde - The Making
of the New York School of Poets".
Com a facilidade de um contador
de casos, mas também com a simplicidade de quem sabe do que está falando, David Lehman relembra sua história. Nessa época John
Ashbery, Frank O'Hara, Kenneth
Koch e James Schuyler se conheceram, se aproximaram dos artistas que estavam inovando a pintura abstrata -entre eles Pollock
e de Kooning- e se dedicaram a
escrever poesia. Quase todos hoje
identificariam Ashbery como o
maior poeta americano; já O'Hara, Koch e Schulyer são reconhecidos apenas por quem se interessa por poesia. Este livro nos mostra um novo ângulo de Ashbery:
mais que um poeta sutil e erudito,
um amigo generoso, que apoiava
poetas muito diferentes e aprendia com eles.
Lehman começa o relato com
uma história cultural de Nova
York nos anos 50. Em seguida trata de cada um dos poetas em capítulos que combinam biografia e
crítica. Com honestidade e tato,
inclui na história dados que seria
mais fácil deixar de lado. O poeta
James Schuyler sofreu ataques
psicóticos e foi hospitalizado mais
de uma vez. Ao dar essas informações, Lehman lembra que Schyler
foi também um dos poetas que
melhor escreveram sobre os prazeres do dia-a-dia, como a chuva,
a neve, um xampu.
De fato, Schuyler às vezes lembra o Manuel Bandeira que salva
de seu "naufrágio/ Os elementos
mais cotidianos". Por exemplo,
nestes versos de "Hino à Vida":
"Viver é difícil. Alguns são fortes,
outros fracos, a maior parte nunca é testada./ As verdades inúteis
sopram no jardim um dia depois/
da chuva a luz macia faz aparecer
na grama seca sombras ainda
mais macias./ O mundo tem um
ar tão velho na primavera, desdobrado debaixo do céu. Uma/ gaivota passa, inesperada como um
beijo na nuca". Para escrever assim sobre o que é tangível, enfatiza Lehman, um homem como
Schuyler deve ter se submetido a
uma disciplina severa.
O capítulo sobre a poesia e vida
de Kenneth Koch é um dos melhores. O próprio Lehman é poeta
premiado e edita a antologia
anual "The Best American
Poetry". Lembra que foi aluno de
Koch em Columbia: "Foi o único
curso de redação que fiz e mudou
minha vida". Até hoje Lehman
admira a criatividade do professor. As leituras do curso lhe abriram os olhos para escritores pouco conhecidos, entre eles Machado de Assis, "que ainda não tem a
fama que merece". As tarefas que
Koch lhes dava eram "inventivas e
às vezes bizarras". Uma vez os
alunos tiveram que "reescrever a
primeira cena de Hamlet sem reler antes". Mas a descrição do estilo "jubilantemente histriônico"
do professor na sala de aula descreve também o estilo do poeta
(págs. 233-6). Por exemplo, em
"Dia de Búfalo": "Eu estava dormindo quando você acordou o
búfalo".
Talvez por esta irreverência, a
poesia de Koch não foi aceita com
facilidade. Lehman se esforça por
mostrar que não lhe falta seriedade. Na academia americana, diz,
impaciente, "o preconceito contra o humor na poesia tem equivalente apenas no preconceito a
favor da anedota curta, sincera e
autobiográfica" (pág. 204). Além
da gratidão do aluno, aqui se surpreende um juízo do poeta e editor sobre a poesia de hoje nos Estados Unidos.
A partir de sua narrativa, Lehman quer formar uma idéia de
vanguarda que lhe permita comentar -polemicamente- o
trabalho de alguns contemporâneos. Para ele, nos anos 50 poetas
e artistas enfrentavam a resistência de um público convencional,
mas hoje o termo "vanguarda" está esvaziado. Os poetas atuais que
se dedicam à experimentação, os
da escola Language, têm um trabalho que parece a Lehman um
"ramo secundário da teoria literária" (pág. 371). Mas Lehman não
chega a propor que a arte de vanguarda esteja esgotada. Pelo contrário, endereça o livro ao poeta
inovador, "despercebido entre
nós".
Este livro dá o que pensar justamente quando trata de precisar
em que sentido a poesia da escola
de Nova York é de vanguarda.
Lehman menciona um vínculo
com a abstração nas artes plásticas. Há uma afinidade, de fato, entre essa poesia e a obra dos expressionistas abstratos ou a de artistas um pouco mais jovens, como Larry Rivers ou Grace Hartigan. Mas em que medida o termo
"abstração" nos ajuda a entender
o trabalho de poetas tão diversos?
Ashbery parece mesmo abstrato. Por exemplo neste trecho de
"Auto-Retrato num Espelho Convexo", na bela tradução de Viviana Bosi Concagh (publicada em
seu estudo "John Ashbery - Um
Módulo para o Vento", lançado
pela Edusp): "Amanhã é fácil, mas
hoje é inexplorado,/ Desolado, relutante como toda paisagem/ Em
ceder as leis da perspectiva que
existem,/ Afinal, apenas para a
profunda desconfiança/ Do pintor, um fraco instrumento, embora/ Necessário. É claro que algumas coisas/ São possíveis, é o que
sabe, mas não sabe/ Quais".
Esses versos tratam da perspectiva, da arte e do tempo -mas como o texto se move de um elemento a outro? Nós não sabemos
nem mesmo qual é o sujeito que
"sabe que algumas coisas são possíveis". Ashbery nos mantém presos à superfície do poema, perplexos e encantados.
Mas na poesia de Frank O'Hara
o referente nada tem de opaco. É
uma poesia figurativa até demais.
(A expressão "poesia figurativa"
está emprestada de Rubens Rodrigues Torres Filho.) A "Ode:
Saudação aos Poetas Negros
Franceses" (leia abaixo) presta
homenagem a Aimé Césaire, retomando figuras e frases de seu poema "Caderno de uma Volta à Terra Natal" (1956). O'Hara transforma as imagens umas nas outras
com velocidade de desnortear.
Apesar da vertigem, logo notamos que o poema vai num crescendo até o verso sobre o "amor
que queremos". Daí por diante,
esboça o que a poesia busca: a beleza viva no escuro, a verdade "face a face" e o amor pelo que "não
somos", classicamente. Lehman
parece mais perto de apreender o
que une os poetas desse grupo
quando os descreve como "estetas em revolta contra um universo
de moralistas" (pág. 358). Mas
mesmo essa fórmula mostra apenas o inimigo dessa vanguarda, e
não o seu projeto.
A OBRA
The Last Avant-Garde - The Making of the New York School of Poets - David Lehman. Doubleday (Nova York). 433 págs., US$ 27,50.
Onde encomendar: O livro pode
ser encomendado, em São Paulo,
na Livraria Cultura (av. Paulista,
2.073, tel. 0/xx/11/285-4033) e, no
Rio, na Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124, tel. 0/
xx/21/ 294-5994); pela Internet, na
Amazon Books (www.amazon.com).
Luiza Franco Moreira é professora de literatura na Universidade Princeton (EUA).
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