São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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LIVROS
Estudo lançado nos EUA reúne biografia e crítica de poetas de Nova York nos anos 50
Projetos de uma vanguarda

LUIZA FRANCO MOREIRA
especial para a Folha

Um grupo de poetas de vanguarda na Nova York dos anos 50 ocupa o centro deste livro, "The Last Avant-Garde - The Making of the New York School of Poets". Com a facilidade de um contador de casos, mas também com a simplicidade de quem sabe do que está falando, David Lehman relembra sua história. Nessa época John Ashbery, Frank O'Hara, Kenneth Koch e James Schuyler se conheceram, se aproximaram dos artistas que estavam inovando a pintura abstrata -entre eles Pollock e de Kooning- e se dedicaram a escrever poesia. Quase todos hoje identificariam Ashbery como o maior poeta americano; já O'Hara, Koch e Schulyer são reconhecidos apenas por quem se interessa por poesia. Este livro nos mostra um novo ângulo de Ashbery: mais que um poeta sutil e erudito, um amigo generoso, que apoiava poetas muito diferentes e aprendia com eles.
Lehman começa o relato com uma história cultural de Nova York nos anos 50. Em seguida trata de cada um dos poetas em capítulos que combinam biografia e crítica. Com honestidade e tato, inclui na história dados que seria mais fácil deixar de lado. O poeta James Schuyler sofreu ataques psicóticos e foi hospitalizado mais de uma vez. Ao dar essas informações, Lehman lembra que Schyler foi também um dos poetas que melhor escreveram sobre os prazeres do dia-a-dia, como a chuva, a neve, um xampu.
De fato, Schuyler às vezes lembra o Manuel Bandeira que salva de seu "naufrágio/ Os elementos mais cotidianos". Por exemplo, nestes versos de "Hino à Vida": "Viver é difícil. Alguns são fortes, outros fracos, a maior parte nunca é testada./ As verdades inúteis sopram no jardim um dia depois/ da chuva a luz macia faz aparecer na grama seca sombras ainda mais macias./ O mundo tem um ar tão velho na primavera, desdobrado debaixo do céu. Uma/ gaivota passa, inesperada como um beijo na nuca". Para escrever assim sobre o que é tangível, enfatiza Lehman, um homem como Schuyler deve ter se submetido a uma disciplina severa.
O capítulo sobre a poesia e vida de Kenneth Koch é um dos melhores. O próprio Lehman é poeta premiado e edita a antologia anual "The Best American Poetry". Lembra que foi aluno de Koch em Columbia: "Foi o único curso de redação que fiz e mudou minha vida". Até hoje Lehman admira a criatividade do professor. As leituras do curso lhe abriram os olhos para escritores pouco conhecidos, entre eles Machado de Assis, "que ainda não tem a fama que merece". As tarefas que Koch lhes dava eram "inventivas e às vezes bizarras". Uma vez os alunos tiveram que "reescrever a primeira cena de Hamlet sem reler antes". Mas a descrição do estilo "jubilantemente histriônico" do professor na sala de aula descreve também o estilo do poeta (págs. 233-6). Por exemplo, em "Dia de Búfalo": "Eu estava dormindo quando você acordou o búfalo".
Talvez por esta irreverência, a poesia de Koch não foi aceita com facilidade. Lehman se esforça por mostrar que não lhe falta seriedade. Na academia americana, diz, impaciente, "o preconceito contra o humor na poesia tem equivalente apenas no preconceito a favor da anedota curta, sincera e autobiográfica" (pág. 204). Além da gratidão do aluno, aqui se surpreende um juízo do poeta e editor sobre a poesia de hoje nos Estados Unidos.
A partir de sua narrativa, Lehman quer formar uma idéia de vanguarda que lhe permita comentar -polemicamente- o trabalho de alguns contemporâneos. Para ele, nos anos 50 poetas e artistas enfrentavam a resistência de um público convencional, mas hoje o termo "vanguarda" está esvaziado. Os poetas atuais que se dedicam à experimentação, os da escola Language, têm um trabalho que parece a Lehman um "ramo secundário da teoria literária" (pág. 371). Mas Lehman não chega a propor que a arte de vanguarda esteja esgotada. Pelo contrário, endereça o livro ao poeta inovador, "despercebido entre nós".
Este livro dá o que pensar justamente quando trata de precisar em que sentido a poesia da escola de Nova York é de vanguarda. Lehman menciona um vínculo com a abstração nas artes plásticas. Há uma afinidade, de fato, entre essa poesia e a obra dos expressionistas abstratos ou a de artistas um pouco mais jovens, como Larry Rivers ou Grace Hartigan. Mas em que medida o termo "abstração" nos ajuda a entender o trabalho de poetas tão diversos?
Ashbery parece mesmo abstrato. Por exemplo neste trecho de "Auto-Retrato num Espelho Convexo", na bela tradução de Viviana Bosi Concagh (publicada em seu estudo "John Ashbery - Um Módulo para o Vento", lançado pela Edusp): "Amanhã é fácil, mas hoje é inexplorado,/ Desolado, relutante como toda paisagem/ Em ceder as leis da perspectiva que existem,/ Afinal, apenas para a profunda desconfiança/ Do pintor, um fraco instrumento, embora/ Necessário. É claro que algumas coisas/ São possíveis, é o que sabe, mas não sabe/ Quais".
Esses versos tratam da perspectiva, da arte e do tempo -mas como o texto se move de um elemento a outro? Nós não sabemos nem mesmo qual é o sujeito que "sabe que algumas coisas são possíveis". Ashbery nos mantém presos à superfície do poema, perplexos e encantados.
Mas na poesia de Frank O'Hara o referente nada tem de opaco. É uma poesia figurativa até demais. (A expressão "poesia figurativa" está emprestada de Rubens Rodrigues Torres Filho.) A "Ode: Saudação aos Poetas Negros Franceses" (leia abaixo) presta homenagem a Aimé Césaire, retomando figuras e frases de seu poema "Caderno de uma Volta à Terra Natal" (1956). O'Hara transforma as imagens umas nas outras com velocidade de desnortear. Apesar da vertigem, logo notamos que o poema vai num crescendo até o verso sobre o "amor que queremos". Daí por diante, esboça o que a poesia busca: a beleza viva no escuro, a verdade "face a face" e o amor pelo que "não somos", classicamente. Lehman parece mais perto de apreender o que une os poetas desse grupo quando os descreve como "estetas em revolta contra um universo de moralistas" (pág. 358). Mas mesmo essa fórmula mostra apenas o inimigo dessa vanguarda, e não o seu projeto.



A OBRA
The Last Avant-Garde - The Making of the New York School of Poets - David Lehman. Doubleday (Nova York). 433 págs., US$ 27,50.

Onde encomendar: O livro pode ser encomendado, em São Paulo, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/285-4033) e, no Rio, na Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124, tel. 0/ xx/21/ 294-5994); pela Internet, na Amazon Books (www.amazon.com).



Luiza Franco Moreira é professora de literatura na Universidade Princeton (EUA).


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