São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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Ponto de Fuga

Arcanos do invisível

Desde que foi inventada, a fotografia pareceu juntar ciência e magia. Como se captar o "real" por meios técnicos atingisse o cerne de uma realidade apenas aflorada pelos olhos volúveis e dispersos. No século 19 já se recorria às câmeras para a confirmação de experiências sobrenaturais. Elas foram, por exemplo, empregadas como testemunho em sessões espíritas, pois seriam capazes de enxergar o além. Por esse mundo afora, em tantas culturas diferentes, muitos acreditam que a objetiva possa roubar ou aprisionar as almas. Talvez esteja escondida, nas expressões "tirar uma fotografia" ou "tirar um retrato", a idéia de extrair do modelo algo de definitivo, pois a imagem eterniza as aparências, interrompendo o fluxo do tempo.
Esses mistérios pairam na seleção do acervo pertencente ao MAM-SP, agora publicada em livro ["Fotografias no Acervo do Museu de Arte Moderna de SP, tel. 0/xx/11/5549-9688". Não que haja, ali, um vínculo com sortilégios ou operações mediúnicas. Mas emana dessas fotos um estranho poder de perscrutar o mundo visível, cotidiano no mais das vezes, indo para além dele. Levam a uma espécie de vertigem, abrindo-se para "o outro lado", como Alice passava para o outro lado do espelho. São fotos recentes, brasileiras na maioria. Os jogos formais estão como que ausentes. Situam-se numa dimensão humana. Nenhuma busca o pitoresco, nenhuma envereda pela miséria embelezada ou pela denúncia social imediata. Nenhuma escolhe caminhos fáceis. Seria injusto citar um ou alguns fotógrafos. Todos admiráveis, eles ganham força na coerência da coleção.

Colméia - Pessoas bem pensantes desprezam videogames e filmes de terror. Dessa perspectiva, filmes de terror derivados de videogames devem, então, rolar para as profundezas da indignidade cultural. "Resident Evil" mostra a esterilidade dos preconceitos. Paul Anderson, seu diretor, virou um especialista nas adaptações cinematográficas originadas dos jogos computadorizados. Nem por isso sua inspiração é menor. "Resident Evil" seduz de modo estritamente cinematográfico. Constrói-se tecendo fios muito claros de referências. Primeiro, a George Romero, que inventou o zumbi moderno, sobretudo a seu "O Dia dos Mortos". Depois, ao computador Hal, de "2001, uma Odisséia no Espaço". Além deles, ao monstro dos "Alien"; a "O Cubo", de Vincenzo Natali; ao trem de "Fantasmas de Marte" e ainda, por confissão do próprio diretor, a "Assault on Precint 13", de John Carpenter.
Certamente existem ainda outras. Esses processos de citação mostram que o gênero dispõe de temas recorrentes, autônomos em relação às obras de origem. Eles constituem um acervo coletivo, alimentando, de direito, novas criações. São sintomas de vitalidade. Anderson confessa outra referência: "Alice no País das Maravilhas". Milla Jovovich atordoada, sem memória, tem visões, ouve vozes, descobre-se guerreira como Joana d'Arc e aos poucos, como Alice, se integra num mundo inquietante e onírico. Mundo que se tornou armadilha apocalíptica.

Frio - "Insomnia" é palavra de origem latina usada em inglês. Ela contém um certo sabor erudito, com "mn" grudados. É o título do último filme de Christopher Nolan, que lembra um pouco "A Marca da Maldade", de Orson Welles, pelo mote: fins que justificam meios, no mundo policial. Mas a semelhança pára aí. "Insomnia" traz a maravilhosa Hilary Swank e ainda Al Pacino e Robin Williams, soberbos canastrões. Busca o paradoxo de um filme noir num deserto branco de gelo. Quer exprimir dolorosos dramas de consciência em situações extremas. O inferno do cinema está atapetado de filmes com boas intenções.

Vibração - O ótimo site "Classics Today" (www. classicstoday.com), consagrado à grande música, traz uma resenha entusiasmada do CD com as sinfonias nš 2 e nš 3 de Camargo Guarnieri, gravadas pela Osesp (selo BIS), sob a direção de John Neschling. O crítico David Hurwitz, graças a essa esplêndida gravação, descobre compositor e orquestra. Termina dizendo: "Será uma tragédia se esse disco não for o primeiro de uma série completa da música orquestral de Guarnieri".


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br


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