São Paulo, domingo, 25 de outubro de 1998

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O crescimento do cibercultura

PIERRE LÉVY
especial para a Folha

Costuma-se avaliar que o desenvolvimento da cibercultura poderia ser um fator adicional de desigualdade e exclusão, tanto entre as classes de uma mesma sociedade quanto entre nações abastadas e países pobres. Esse risco é verdadeiro. O acesso ao ciberespaço exige infra-estruturas de comunicação e de cálculo (computadores) custosos para as regiões em desenvolvimento. Além disso, a apropriação do know-how necessário à montagem e à manutenção dos centros servidores representa um investimento não negligenciável.
Suponhamos, porém, que os pontos de acesso à rede e os equipamentos indispensáveis à consulta, à produção e ao estoque de dados se encontrem disponíveis. Resta ainda superar os obstáculos "humanos". Destes constam, sobretudo, os freios institucionais, políticos e culturais a formas de comunicação comunitárias, transversais e interativas. Além deles, há o sentimento de incompetência e de desqualificação diante das novas tecnologias.
A esse problema da exclusão, três tipos de resposta podem ser dadas, que obviamente não solucionam em definitivo a questão, mas permitem relativizá-la e situá-la em perspectiva.
Primeira resposta: é preciso ver mais a tendência do que as cifras absolutas de conexão.
A taxa de crescimento das conexões no ciberespaço manifesta uma rapidez de adaptação social superior a de todos os sistemas anteriores de comunicação. O correio já existia havia séculos, antes que a maioria das pessoas pudesse receber ou enviar cartas regularmente. O telefone, cuja invenção data do fim do século passado, hoje equipa pouco mais do que 20% dos seres humanos.
O número dos participantes da cibercultura aumenta num ritmo exponencial desde o final dos anos 80, principalmente na população jovem. Regiões e países inteiros planejam seu ingresso na cibercultura, em especial os mais dinâmicos (pensamos, por exemplo, na Ásia e em regiões do Pacífico). Os "excluídos", portanto, serão cada vez menos numerosos.
Segunda resposta: será cada vez mais fácil e menos dispendioso conectar-se.
Embora disseminados, os sentimentos de incompetência são cada vez menos justificados. Uma vez adquirido o hábito da leitura e da escritura, a utilização do ciberespaço por indivíduos e organizações exige pouquíssimas habilidades especiais. Os procedimentos de acesso e navegação são cada vez mais simples, em especial desde o desenvolvimento da World Wide Web (WWW), no início dos anos 80.
Aliás, a logística e os materiais necessários à conexão tendem a tornar-se cada vez menos custosos para os indivíduos. A fim de baixar as tarifas das assinaturas e das telecomunicações, os governos podem agir no sentido de encorajar a concorrência entre os provedores de acesso e entre os operadores de telecomunicação. Sem dúvida, a pedra de toque é o custo da comunicação local.
Terceira resposta: todo avanço nos sistemas de comunicação engendra necessariamente uma exclusão.
Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia analfabetos antes da invenção da escrita. A imprensa e a televisão introduziram uma ruptura entre os que publicam ou aparecem na mídia e os outros. Como já assinalei, estima-se que pouco mais de 20% dos seres humanos possuem telefone. Nenhum desses fatos constitui um argumento sério contra a escrita, a imprensa, a televisão ou o telefone. O fato de haver analfabetos e pessoas desprovidas de telefone não nos leva a condenar a escritura ou as telecomunicações, mas, antes, nos incita a desenvolver a educação primária e a estender a rede telefônica. O mesmo deve valer para o ciberespaço.
Que fazer? É certo que se deve favorecer, por todos os meios apropriados, a facilidade e a queda nos custos de conexão. Porém o problema do "acesso para todos" não pode ser reduzido às dimensões tecnológicas e financeiras habitualmente pressupostas. Não basta se encontrar diante de uma tela munida de todas as interfaces de fácil manuseio para que se supere uma situação de inferioridade. É necessário sobretudo estar em condições de participar ativamente do processo de inteligência coletiva, que representa o principal interesse do ciberespaço.
Os novos instrumentos devem servir, antes de tudo, para valorizar a cultura, as aptidões, os recursos e os projetos locais, para auxiliar as pessoas a participar dos vários projetos de ajuda mútua, de grupos de aprendizado cooperativo etc. Em outras palavras, na perspectiva tanto da cibercultura quanto das abordagens mais clássicas, as políticas voluntaristas de luta contra as desigualdades e a exclusão devem visar ao ganho em autonomia das pessoas ou dos grupos envolvidos. Elas devem, por sua vez, evitar a aparição de novas dependências provocadas pelo consumo de informações ou pelos serviços de comunicação concebidos e produzidos numa ótica puramente comercial ou imperial e que, não raro, têm por efeito desqualificar os saberes e as aptidões tradicionais de grupos sociais e regiões desfavorecidas.


Pierre Lévy é sociólogo e historiador da ciência, professor do departamento de hipermídia da Universidade de Paris 8, autor de "As Tecnologias da Inteligência" e "O Que é Virtual" (Ed. 34). Ele escreve mensalmente na Folha na seção "Autores".
Tradução de José Marcos Macedo.




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