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O primeiro ano do resto de nossas vidas
José Murilo de Carvalho e Kenneth Maxwell defendem que a vinda da família real foi o marco zero da existência política do Brasil; já para Evaldo Cabral de Mello, "herdamos desse período o pior" que havia
"O Brasil não existiria", afirma Carvalho
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Autor de uma biografia do imperador
dom Pedro 2º
("Dom Pedro 2º
-Ser ou Não Ser",
Cia. das Letras) que passou
meses nas listas de livros mais
vendidos, o historiador mineiro José Murilo de Carvalho
acredita que a unidade territorial é uma das questões mais
importantes a serem debatidas
na efeméride dos 200 anos da
vinda da família real. Ela teria
sido responsável pelo "Brasil
de hoje".
Mas, ao ponderar sobre se isso é bom ou ruim, Carvalho
prefere evocar Guimarães Rosa: "pãos ou pães, questão de
opiniães". Leia abaixo trechos
da entrevista que o professor
da Universidade Federal do
Rio de Janeiro concedeu à Folha, por e-mail.
FOLHA - As celebrações dos 200
anos da vinda da família real estão
começando a tomar espaço na mídia e na academia. Que aspectos o
sr. acredita serem mais importante
levantar para a discussão sobre esse
episódio hoje?
JOSÉ MURILO DE CARVALHO - Há
dois momentos distintos igualmente importantes. O primeiro, a vinda da corte em si. O segundo, as conseqüências dessa
vinda. Em nenhum dos dois casos houve determinismos históricos. O príncipe dom João
podia ter decidido ficar em Portugal. Nesse caso, o Brasil com
certeza não existiria.
A colônia se fragmentaria,
como se fragmentou a parte espanhola da América.
Teríamos, em vez do Brasil
de hoje, cinco ou seis países distintos. Uma vez decidida a vinda, as coisas também poderiam
ter tomado caminhos distintos,
inclusive a fragmentação. Discutir essas alternativas e os fatores que conduziram os acontecimentos para a direção que
tomaram me parece ser um tema relevante.
FOLHA - Quais incorreções nas interpretações sobre essa passagem
da história deveriam ser revistas?
CARVALHO - Há excessiva, quase
exclusiva, ênfase na decisão de
dom João 6º de fugir da Europa. Ora, o grau de liberdade que
tinha era mínimo. Toda sua
ação foi pautada pelo conflito
europeu, pela rivalidade entre a
França napoleônica e o Reino
Unido. Suas únicas opções,
grandes opções sem dúvida,
eram fugir ou não fugir.
Sem a França, ele não teria
pensado em sair. Sem o Reino
Unido, ele não teria conseguido
sair. O estudo desse condicionamento está quase totalmente abandonado.
É positiva a recuperação das
imagens de dom João 6º e de
Carlota Joaquina e seu resgate
em relação às abordagens caricatas do tipo exibido no filme
de Carla Camurati ("Carlota
Joaquina - Princesa do Brazil",
1995). A respeito desta, o trabalho foi feito pela historiadora
Francisca de Azevedo [autora
de "Carlota Joaquina na Corte
do Brasil" (Civilização Brasileira) e organizadora da correspondência da princesa, recém-lançada pela Casa da Palavra].
FOLHA - Do ponto de vista da academia, o sr. acredita que a efeméride trará um elemento novo ao debate, que possa contemporizar vertentes historiográficas diferentes? A
saber: os historiadores mais ligados
ao marxismo, que acreditam que o
processo de ruptura do Antigo Regime levaria o Brasil à Independência,
inevitavelmente, e, por outro lado,
os historiadores que privilegiam a
dinâmica interna na constituição do
Brasil livre. Há conciliação possível?
CARVALHO - Creio que o debate
a que você se refere tem a ver
com ênfases distintas em diferentes determinações do processo e da natureza da Independência: fatores externos ou internos, econômicos ou políticos. As diferenças continuarão.
Quanto a mim, não concebo
história sem ação humana e
não concebo ação humana sem
contexto histórico. Daí não
acreditar em determinismos
nem em aleatoriedade.
Sobre a Independência, o importante é discutir como ela se
deu. A grande diferença em relação à América espanhola foi a
manutenção da unidade da colônia portuguesa e a monarquia. Daí veio o Brasil de hoje.
Se para o bem ou para o mal, é
[o escritor] Guimarães Rosa
quem decide: "Pãos ou pães,
questão de opiniães".
FOLHA - Seu livro sobre dom Pedro
2º é um best-seller. A que o sr. atribui esse sucesso? O que tem atraído
tanto a atenção dos leitores?
CARVALHO - Creio que a boa recepção do livro tem a ver com o
momento histórico.
Depois do mensalão e de outras bandalheiras políticas, da
conseqüente desmoralização
dos poderes constitucionais,
sobretudo do Congresso, da
predominância na vida pública
do interesse privado e da ausência de virtude republicana
os cidadãos estavam em busca
de exemplos de governantes
com espírito público.
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