São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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à caça de tendências

ESPECIALISTAS QUE UNEM CIÊNCIAS SOCIAIS E EXATAS SÃO ASSEDIADOS POR GIGANTES DA INTERNET PARA EXPLICAR E MANIPULAR PROCESSOS DE INFLUÊNCIA SOCIAL E ADOÇÃO DE COMPORTAMENTOS; PESQUISADOR RELATA A HISTÓRIA DAS TEORIAS SOBRE DIFUSÃO DE NOVIDADES

CBS Photo Archive - 18.jun.42
O sociólogo Paul Lazarsfeld (à dir.) apresenta para executivo de TV máquina que permitia registrar picos de interesse e desinteresse apontados por espectadores

ALEXANDRE HANNUD ABDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Foi quase por acaso. Mais precisamente por uma carta ousada a um ilustre desconhecido e um amigo russo conquistado de última hora, em 2006 estava eu na Universidade Cornell [EUA], ouvindo cientistas sociais ao lado de cientistas da computação e economistas, reunidos por uma semana para sambarem cada um ao seu ritmo, mas todos numa nota só: a influência exercida por meio da estrutura de nossas relações sociais.
Não era nenhum acaso, contudo, que todos esses colegas estivessem sendo assediados por companhias como Google, Yahoo!, Amazon e Microsoft, que já detêm o maior registro de relações sociais da história em bancos de dados dos serviços que oferecem.
À época, eu trabalhava em Nova York com Duncan Watts, ex-aluno da Cornell e professor da Universidade Columbia. Duncan hoje chefia um grupo de pesquisa dentro da Yahoo! Research, braço científico da empresa homônima.
Quem arranjou para que eu participasse desse seminário, junto com Duncan, foi o tal amigo russo, Gueorgi Kossinets, ex-aluno daquele e então pós-doutor na Cornell, hoje trabalhando no quartel-general da Google Inc.
Mas o que querem esses gigantes corporativos e seus cientistas multidisciplinares calcular de nossos e-mails, nossas compras, nossas buscas na internet?
O sucesso duradouro de "O Ponto da Virada" (ed. Sextante), do jornalista Malcolm Gladwell, nos dá uma das respostas: querem achar "os influenciadores". Nesse livro, apresenta-se uma tipologia dos indivíduos segundo sua função e importância na difusão de uma novidade, de um "meme". Este pode ser um hábito, uma atitude, uma tendência de consumo ou uma opinião.
Segundo o livro, alguns indivíduos seriam especiais, responsáveis por definir o alcance das ideias, e sugere-se que, uma vez conquistadas essas pessoas, as demais seguiriam por um efeito de avalanche.
O ponto crítico, o tal do "tipping point" [título original do livro], seria o momento em que o último grão é colocado para iniciar a avalanche, o último indivíduo necessário conquistar desse pequeno grupo para mudar toda a sociedade.
A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é muito sedutora e desperta o interesse não só de empresas, publicitários e partidos políticos como também de organizações interessadas em difundir informação ou práticas de saúde e cidadania. Desvendar os influenciadores seria a pedra filosofal da propaganda boca a boca, uma expectativa que, aliada a nossa experiência diária com vídeos de completos desconhecidos atingindo a fama pela internet, cria uma euforia sobre o assunto.

Seis graus
O que Gladwell apresenta, no entanto, é um lado de um debate científico de mais de meio século, que motivou a ida de Duncan Watts ao Yahoo! para, com os recursos do portal, realizar experimentos e análises que esclareçam seu ceticismo com relação à existência dos tais influenciadores. Ele já propôs, sustentado em seus trabalhos acadêmicos, que a teoria é pura retórica.
Duncan, doutor em física, mas antes marinheiro australiano, ficou conhecido no meio acadêmico por surfar a crista da onda de interesse das ciências exatas em problemas sociológicos, propelida pelo poder analítico dos computadores modernos.
Entre o público em geral, seu livro "Six Degrees - Science of a Connected Age" ["Seis Graus -A Ciência de uma Era Conectada"] fez sucesso, e seus experimentos virtuais e sociais, dentre os quais uma reprodução em escala ampliada pela internet dos famosos seis graus de separação de Stanley Milgram, foram notícia e até viraram série televisiva.
Curiosamente, seu interesse na questão dos influenciadores reflete o ambiente que ocupava na Universidade Columbia, como professor do departamento de sociologia que antes abrigou o Escritório de Pesquisa Social, fundado e dirigido por Paul Lazarsfeld, onde nos anos 50 realizavam-se os primeiros estudos quantitativos sobre influência social.
Austríaco e matemático de formação, Lazarsfeld contribuiu decisivamente para a metodologia da sociologia estadunidense. Foi um estudioso da comunicação e coordenou pioneiras pesquisas de campo sobre a relação entre mídia de massa e população.
Formulou o modelo de fluxo da comunicação em duas etapas, segundo o qual ideias e opiniões não fluem diretamente da mídia para o cidadão, mas apenas para um grupo mais educado e interessado, que por sua vez transmite-as para a população geral por meio de contatos pessoais. Lazarsfeld chamou esses grupos (no plural, pois a cada campo de influência correspondem grupos diferentes) "líderes de opinião" e destilou suas qualidades e relações com os demais atores.
Quem lê seus trabalhos vê expressões como "líderes de moda", "líderes de política", "líderes de cinema", e a comparação com a teoria dos influenciadores torna-se imediata.
Porém o que Lazarsfeld fez foi mapear cada rede de influências e destacar um grupo por sua posição nessa rede com relação à dinâmica específica da passagem de influência da mídia para a população.
Deixando-se de lado a atualidade da teoria, permanece a questão: como o indivíduo se relaciona com suas influências e quais canais são relevantes na sua dinâmica? Essa pergunta foi então abordada frontalmente ao final daquela década por Everett Rogers.


A ideia de que grandes mudanças dependem de convencer poucas pessoas é sedutora


Pioneiros da difusão
Estudando casos diversos de difusão de inovações tecnológicas, médicas e sociais, Rogers notou similaridades entre eles, particularmente nas taxas de adoção. A distribuição no tempo da conversão de indivíduos, ao final do processo, era sempre uma curva gaussiana (com a forma de um sino), com poucas adesões no início, um crescimento muito rápido no meio período e que desacelerava apenas nos últimos inovadores.
Para estudar essa curva, Rogers dividiu-a segundo os desvios estatísticos padrões e, aos indivíduos incluídos no primeiro trecho, aqueles que mais cedo adotaram a novidade, chamou de adeptos pioneiros ("early adopters", termo hoje popularizado pela constante renovação dos produtos tecnológicos).
Com divisões como essa, construiu uma teoria detalhada e, referindo-se a Lazarsfeld, pôde verificar nesse grupo de adeptos pioneiros a condição de líderes de opinião com relação à inovação respectiva.
Contudo, o trabalho de Rogers analisa a distribuição apenas após completado o ciclo de inovação, limitando-se a uma análise retrospectiva de inovações bem-sucedidas, e somente com uma descrição da evolução coletiva. Esses fatores impedem-no de inferir sobre detalhes da difusão e da dinâmica de influências.
Ainda assim, o crescimento súbito que a distribuição aponta para o total de adeptos levou Rogers a concluir, amparado em análises qualitativas, que o mecanismo individual de influência precisaria produzir esse fenômeno de massa crítica em que, superado um certo número de indivíduos carregando a influência, ela passa a espalhar-se rapidamente. Eis o ponto crítico apresentado por Gladwell.
As bases psicológicas para o modelo que irá reproduzir essas qualidades coletivas surgem mais cedo nos anos 1950, em uma série de experimentos conduzidos pelo psicólogo Solomon Asch. No mais icônico deles, um grupo de oito alunos foi interrogado sobre qual de três linhas tinha o mesmo comprimento de uma quarta.
A resposta era óbvia, contudo sete dos alunos foram instruídos a darem a mesma resposta errada, e verificou-se que o oitavo escolhia seguir o grupo em 37,1% das vezes. Asch também observou que, ao diminuir a fração dos colegas dando a resposta errada, o efeito enfraquecia rapidamente, mas não mudava se o número de colegas fosse alterado mantendo a fração constante.
Apesar de bem definidas as bases no início dos anos 1960, essas ideias só seriam sintetizadas em modelos matemáticos, chamados modelos limiares, nos anos 1970, com a maior facilidade de cientistas sociais e economistas nos EUA acessarem computadores.

Massa crítica
Modelos limiares para difusão social, seguindo os experimentos de Asch, definem a influência que um indivíduo sofre para adotar um comportamento como a fração dos seus contatos sociais que já foram convertidos. Além disso, determinam para cada indivíduo um limiar tal que, se a influência o ultrapassa, este também adotará o dito comportamento, podendo assim passá-lo adiante.
O resultado desses modelos é uma situação de massa crítica que, dependendo dos limiares escolhidos, quando atingida conduz a uma taxa de adesão gaussiana ao longo do tempo, como previsto por Rogers.
Mark Granovetter [professor da Universidade Stanford], reconhecido por estabelecer a moderna sociologia econômica, foi um grande proponente desses modelos, utilizando-os para melhor entender revoltas, segregação urbana e a formação da opinião pública.
Mas, apesar de úteis, os computadores ainda eram limitados e não permitiam incluir a estrutura das redes de relações nos modelos. Sem estrutura, todos os atores têm posições equivalentes e perde o sentido falar em influenciadores.
Mas eis que chegamos ao século 21 e à massificação da internet, ao Escritório de Pesquisa Social transformado em Centro Paul F. Lazarsfeld para Ciências Sociais e a Duncan Watts, que, na virada do milênio, já havia contribuído decifrando alguns pontos-chave da estrutura das redes de relações, pensando experimentos sociais e virtuais que acabariam por contribuir a pontuar essa longa história.
O primeiro deles foi uma reprodução pela internet do experimento de Milgram; os participantes eram sorteados para contactar um de 18 indivíduos espalhados por 13 países, sabendo dele o nome, a ocupação, a escola frequentada e a cidade de residência. O contato deveria dar-se apenas encaminhando mensagens aos seus amigos e conhecidos, que deveriam fazer o mesmo.
Ao final, além de reproduzir os seis graus de separação com precisão e detalhe muito maiores do que era possível antes, outro resultado importante foi que pessoas muito conectadas eram inexpressivas nas cadeias que chegaram a seu destino.
O segundo experimento, ou talvez mais uma medida, foi o mapeamento completo das trocas de e-mail dentro de uma universidade ao longo de um ano. Aqui também, olhada sob o microscópio a dinâmica detalhada das trocas entre alunos e professores, concluiu-se que os indivíduos muito ativos e conectados poderiam ser removidos da rede sem afetar as propriedades fundamentais de conectividade dela.

Sociedade simulada
O terceiro experimento, puramente virtual, porém direto ao ponto, foi a simulação da difusão de comportamentos em sociedades virtuais regidas pelo modelo limiar. Dessa vez, além de reproduzir as propriedades esperadas, pôde-se finalmente analisar o papel da estrutura das relações sociais.
Partindo de redes com conexões escolhidas para imitar a sociedade, cada simulação elegia aleatoriamente um indivíduo para iniciar a difusão e observava a participação diferencial de tipos de indivíduos ao longo do processo.
O modelo tem parâmetros para regular os limiares e a estrutura da rede, e Duncan observou ali que, exceto por uma faixa muito estreita dos parâmetros, a participação de indivíduos muito conectados era indiferente ao sucesso da difusão. De fato, difusões iniciadas por indivíduos comuns poderiam até ter maior chance de espalhar-se que as iniciadas pelos muito conectados, ainda que estas por sua vez pudessem atingir um grupo maior.
Esses resultados estimularam-no a publicar, com Jonah Peretti, veterano de campanhas boca a boca pela internet, uma alternativa a esse tipo de propaganda. Apelidada de "big seed marketing" [marketing de grande semeadura] e com foco em pessoas comuns, ignorando hipotéticos influenciadores, a ideia consiste em utilizar meios de comunicação de massa para atrair um número grande de participantes quaisquer e então incentivá-los a passar a mensagem adiante, o que a internet torna muito barato.
As implementações dessa estratégia por Peretti geraram retornos robustos de duas a quatro vezes a audiência inicial pela qual se pagou -um bom negócio, ainda que distante da promessa de conquistar o mundo com influenciadores.
Por fim, simulações realizadas em nosso trabalho conjunto, com modelos de difusão mais complexos e múltiplos iniciadores simultâneos, permitiram destacar algumas características importantes da interação entre indivíduos e a mensagem sendo difundida, que ressaltam ou afundam a viabilidade de estratégias baseadas em indivíduos excepcionalmente conectados. Dentre elas, destaca-se o nível relativo de envolvimento necessário na transmissão.
Esses indivíduos podem ser relevantes quando toma menos tempo transmitir que receber influência, mas são gargalos para a difusão quando custa mais transmitir e tornam-se indistintos quando os tempos são próximos. Curiosamente, a primeira dessas alternativas é geralmente aquela em que a mídia de massa faz um bom trabalho e a estratégia de "big seed" será mais promissora, podendo estar os influenciadores um tanto órfãos de aplicabilidade.
Assumidamente, simulações como essas não podem resolver debates sobre a sociedade. Elas servem a questionar nossa intuição e explorar possibilidades, apontando possíveis direções para estudos empíricos.
Mas, de todo esse trabalho, talvez fique uma lição simples das ciências naturais. Sociedades, como os demais sistemas complexos, são estruturas emergentes. Não dependem de grupos específicos que as compõem, mas da composição não linear das interações entre todos os seus elementos.
Suas transformações vêm de uma predisposição delas como um todo e, ao observá-la em retrospecto, devemos cuidar que indivíduos que parecem ter um papel especial em geral apenas jogaram na pilha o grão de areia que faltava. Em particular, se nenhum de nós é especial, o bom exemplo de cada um conta muito mais do que a percepção ingênua nos sugere.


ALEXANDRE HANNUD ABDO , 28, é cientista molecular pela USP, onde conclui doutorado no Instituto de Física, em colaboração com o departamento de sociologia da Universidade Columbia (EUA), sobre redes complexas e dinâmica de influências sociais.


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