São Paulo, domingo, 26 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS
A via-crúcis da habitação

CARLOS A.C. LEMOS
especial para a Folha

O tema desse precioso livro de Nabil Bonduki -"Origens da Habitação Social no Brasil"- sempre nos interessou bastante, sobretudo quanto às questões relativas à habitualidade e aos programas mínimos da casa proletária, assuntos permanentes em nossos livros e pesquisas sobre moradias paulistas em geral. No entanto, nunca tivemos a oportunidade, ou o ânimo, de verificar de modo profundo como ao longo do tempo os sucessivos governos e suas leis enfrentaram o grande problema da carência de habitações dignas destinadas ao povo. Daí o nosso prazer ao ler este texto percuciente que esgota o assunto.
O autor trata de responder as perguntas básicas: seria mesmo do governo a obrigação de prover casas à população desvalida de recursos?; a ele não bastaria legislar, nos âmbitos dos municípios, dos Estados ou do governo federal?; a iniciativa privada teria estado em algum dia capacitada a prover a demanda de abrigos pelos necessitados de pouco rendimento, alugando ou vendendo?
O que todo o mundo sabe com certeza é que, na cidade de São Paulo, por exemplo, desde o último quartel do século 19 até os dias de hoje, a disponibilidade de moradias populares sempre foi precaríssima, incentivando o surgimento de habitáculos mínimos destinados a aluguéis extorsivos nos primeiros dias do inchaço populacional; provocando nas últimas décadas o recurso da autoconstrução e do sobretrabalho na busca de um teto para a família operária. Em todo caso, foram 120 anos de sofrimentos, de expectativas, de vivências promíscuas, de sujeira e abafamento em cubículos infectos, de técnicos e burocratas buscando soluções, escrevendo relatórios, redigindo leis e códigos, recebendo propinas de capitalistas afeitos a obras clandestinas. Foram 120 anos parcos de soluções inteligentes e definitivas. É disso tudo que Nabil Bonduki trata em seu livro, repetimos, precioso.
Em seu primeiro capítulo, traça um correto perfil histórico do problema habitacional, sendo esse, talvez, o mais bem cuidado e abrangente texto que conhecemos sobre as moradias improvisadas dos primeiros dias do processo de adensamento populacional da cidade. Fala dos cortiços -as habitações que até então São Paulo jamais suspeitava que um dia fosse possuir. Descreve com minúcias as primeiras intervenções estatais na programação e no dimensionamento das construções. E cuida das primeiras vilas operárias envolvidas com a produção rentável de imóveis destinados ao aluguel.


A OBRA
Origens da Habitação Social no Brasil - Nabil Bonduki. Ed. Estação Liberdade (r. Dona Elisa, 116, CEP 01155-030, SP, tel. 011/3824-0020). 342 págs. R$ 30,00.



Aliás, nesse quadro está configurada a iniciativa privada, sem condescendência alguma, procurando resolver os problemas relativos à falta de moradias destinadas aos imigrantes recém-chegados e produzindo abrigos em série, destituídos de todo tipo de conforto ou higiene. O que interessava mesmo era a maior rentabilidade dos imóveis.
Analisando as consequências da Lei do Inquilinato promulgada por Getúlio Vargas, em 1942, quando a previdência privada desinteressou-se pelo tema das moradias, agora com aluguéis congelados, o autor exemplarmente traça o quadro resultante e percorre os caminhos da autoconstrução em arruamentos clandestinos e nos introduz com muita clareza nos movimentos em prol da casa própria surgidos nos esforços dos institutos de aposentadoria e pensões criados no Estado Novo. E aí aparece a oportunidade de discutir o viés da arquitetura moderna, já no quarto capítulo.
"A busca dos novos horizontes para a cidade do presente" é o tema que conclui o livro desse arquiteto, antes de tudo compromissado com a política, cujo idealismo, à procura de "novos caminhos", vai perscrutar as lições do passado.


Carlos Lemos é arquiteto, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "Ramos de Azevedo e Seu Escritório".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.